Piano de cauda à chuva
Chuva em Chaves, chuva em Chaves... No mundo inteiro, um calor de desertos e catos e, em Chaves, chuva. Devíamos ter visto logo que era mau sinal, caramba. Aquilo foi tão estranho que nem podia ser só chuva, não é verdade, caros amigos? Aquilo foi do domínio do paranormal, com certeza. Energias negativas que se juntaram para ali, no céu do estádio flaviense; os deuses, lá em cima, derramando lágrimas premonitórias, chorando por antecipação. Chuva em Chaves...
No outro dia, à conversa com um craque brasileiro de mudanças, fiquei a saber que, dos mil e um transportes e carregamentos feitos por ele e pelos colegas, o mais difícil não tinha sido nenhum peso bruto, nenhum desmanchar de arranha-céus, nenhum desarrumar de mansão – mas a descida, por um poço de escadas não demasiado largo, de um piano de cauda. Acho que foi esse o drama do empate benfiquista em Trás-os-Montes. Levámos o piano de cauda para o breve relvado de Chaves e só tarde demais é que percebemos como isso podia ser complicado-muito complicado complicadís si mo. Além do resto, que injustiça para Rafa Silva. O nosso artista das arrancadas mete duas bolas na baliza transmontana, dois golos de velocidade e ganas, e depois abrimos alas para os anfitriões.
É verdade que também desabou sobre nós um azar daqueles que não lembram ao diabo. Já não bastava o chão se ter zangado connosco – lesionou-nos Jardel e Gabriel (perdão pela rima) –, como também o árbitro estava num dia, digamos, bastante infeliz (perdão pelo eufemismo). Pois, sim, foi um caso de malapata monumental. Mas nós também facilitámos. Um golito de diferença é sempre pouco. Acreditar na ideia de que se pode “controlar” um jogo é sempre um erro e, ainda mais, quando se está a ganhar só por um. Não somos nós que “controlamos” jogo nenhum. O futebol é um mistério e a bola é um sinal dos deuses. A redondinha é que manda. O papel das equipas é trazerem-na para o seu lado, convencerem-na e encaminharem-na na direção certa – que é a baliza adversária.
O duche de água fria em Chaves foi tremendo e, em certa medida, inexplicável, pois com certeza. Mas, caramba, não podemos deixar tanta margem à malapata. Os “grandes embates europeus” e os “tão esperados clássicos nacionais” são muito importantes. Mas ninguém ganha campeonatos se não souber descer o piano de cauda pelo poço das escadas sem desafinar.
Ninguém ganha campeonatos se não souber descer o piano de cauda pelo poço das escadas sem desafinar