Os samurais da alma em Coimbra
A ideia básica do cerimonial é ser rápido no princípio e no fim, e tranquilo no meio”, diz o Livro do Samurai. Não sei se míster Vitória leu ao plantel, no autocarro para Coimbra, os ensinamentos do célebre manual – mas foi mais ou menos isso que a equipa pôs em campo frente ao Sertanense. São jogos difíceis, estes com equipas de outras divisões. Jogar com o Glorioso é o jogo de uma vida para jogadores, técnicos, adeptos e, se os profissionais dão sempre cem por cento, nestas partidas forçam a matemática e dão duzentos. A Taça é uma festa, pois, mas ninguém quer ser o bombo da dita. Sim, os samurais do Benfica entraram concentrados como deve ser. O cerimonial teria começado mais rápido, aliás, se aquele primeiro golo de Jonas valesse. Foi um azar de milímetros... E haveria outro ainda, de Ferreyra. Mas para quê concentrarmo-nos nesses “ses” se houve tanta coisa boa a valer?
Coimbra é um lugar especial, cheio de História e histórias; uma cidade por onde passaram grandes figuras, onde foram travadas importantes lutas intelectuais e políticas, onde ressoaram frases de génio e argumentos imortais. Mas hoje sofre uma crise de identidade. Aos olhos porventura desfocados do cronista, a cidade surge a meio caminho entre uma tradição que já não vale e uma modernidade que teima em não chegar. Coimbra sempre foi a capital da saudade, claro, mas hoje parece antes o lugar de uma melancolia que secou. Seja como for, na quinta-feira o Glorioso levou boas alegrias à rainha do Mondego.
Primeiro foi Rafa. Uma bola rápida na recarga, depois do chuto de Zivkovic e da defesa do guardião da Sertã. O caso feliz de um golo homónimo: Rafa marca a Rafa. E, no fim, como nas boas histórias, veio o que todos esperávamos, só que em forma de surpresa: um golo de Jonas “às cinco horas”, bela meia-volta de relógio.
Mas, queridos leitores, deixem-me inaugurar um novo parágrafo para homenagear o momento da noite. O cronista ajoelha-se aqui na frase, em adoração àquele tiraço de Gedson. Uma bola do meio da rua, sempre a subir, até ao ângulo exatíssimo. O modernista russo Danil Harms escreveu: “Sobre a perfeição direi assim, com as seguintes palavras: o perfeito de uma coisa é uma coisa perfeita.” É a única descrição possível para a obra-prima do miúdo do Benfica. Que craque, que alma. E que inspiração para o embate europeu, depois de amanhã.
O cronista ajoelha-se aqui na frase, em adoração àquele tiraço de Gedson. Uma bola do meio da rua, sempre a subir, até ao ângulo exatíssimo Que craque, que alma. E que inspiração para o embate europeu, depois de amanhã