A goleada fiscal à Liga portuguesa
CONCORRÊNCIA O campeonato português não consegue competir com os mais endinheirados e a carga de impostos faz com que também seja difícil ombrear com ligas periféricas. Como a turca, por exemplo
DOSSIÊ
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Países como a Rússia (13%), Roménia (16%), República Checa (21%) ou Eslováquia (19%) arrasam na competição fiscal com a liga portuguesa, como explica consultor, mesmo com o regime especial adotado cá
A Turquia recuperou em dezembro de 2017, e até pelo menos dezembro de 2019, um regime fiscal especial para o seu futebol: uma taxa fixa de 15% sobre os rendimentos dos jogadores. Em Portugal, o IRS pode ascender a 53% (rendimentos superiores a 250 mil euros/ ano). As goleadas sofrem-se em vários campos, e no das obrigações fiscais o futebol português está exposto a um resultado embaraçoso. Apesar da luzinha ao fundo do túnel: o Programa Regressar, em discussão no Orçamento do Estado, permitirá pagar apenas sobre 50% dos rendimentos.
“Nas grandes ligas, não há regimes especiais. Curiosamente,
Portugal até é o único país com um regime especial. O código contributivo para efeitos de Segurança Social permite aos clubes pagarem apenas 1/5 dos 23,5% da contribuição patronal e dos 11% da contribuição dos jogadores”, conta a O JOGO Luís Leon, partner da Deloitte. “Nós, consultores fiscais, falamos da competição fiscal que existe. O futebol é apenasumaatividade,masistoafetatodaaeconomia.Portugalvai demorar 20 anos até ter um ráciodedívidasobreoPIBde60%, e temos 118% atualmente”, junta, para lembrar que países como Roménia (16% de imposto sobre o rendimento), República Checa (21%) ou Eslováquia (19%) mantêm regimes fiscais altamente atrativos.
Mas, depois, há perigos concorrenciais maiores para o depauperado futebol português: a Turquia, país de quase 80 milhões de habitantes, loucos por futebol, e que ainda nem entrou na infância no que toca à exploração dos direitos televisivos. Jogadores como Maicon (ex-FC Porto, agora no Galatasaray), Pepe ou Quaresma descontam apenas 15% do salário. Um regime que surte o efeito pretendido: atrair craques como Robinho, Douglas (emprestado pelo Barcelona), Arouna Koné, Yoan Gouffran, Adriano, Gary Medel, Ryan Babel, Adem Ljajić, Vágner Love, Gaël Clichy, Emmanuel Adebayor, Arda Turan, Feghouli, Fernando (ex-FC Porto e City), Nagatomo, Carlos Kameni, Soldado, André Ayew, Mathieu Valbuena, Islam Slimani, Diego Reyes...
Ténue esperança lusa A ténue esperança portuguesa é o Programa Regressar: “Não discrimina nem rendimentos, nem profissões e, portanto, os futebolistas (ou qualquer atleta) que tenham tido residência fiscal em Portugal e tenham estado fora pelo menos três anos podem beneficiar deste regime”, explica Leon. “Imagine: o Cristiano Ronaldo volta a Portugal em 2019. Só pagaria imposto sobre 50% dos rendimentos durante cinco anos”. Inimaginável? Talvez, mas já Pepe ou Quaresma...
PeguemosnasituaçãodeHerrera, pouco inclinado a renovar pelo FC Porto: para conseguir os 2,5 milhões de euros limpos em Portugal, o FC Porto teria de desembolsar à volta de 6,15 milhões (53% de IRS, 4,7% mais 2,2% de segurança social, a que haveria posteriormente de somar o obrigatório seguro de acidentes de trabalho – que os clubes reclamam comer 14% da massa salarial). Na Turquia, por exemplo, Herrera poderia pedir três milhões livres de impostos, pelos quais o clube que o contratasse só pagaria 570 mil euros adicionais (3,57 milhões, no total).
Na Premier League, “os futebolistas pagam impostos como nas outras profissões e acima de 170 mil euros/ano descontam 45% [de IRS, o PAYE – Pay As you Earn]”, informa o organismo a O JOGO, explicando que os clubes pagam 13% de Segurança Social. “Na época 2016/2017, os jogadores pagaram 1,246 mil milhões de euros de impostos de um total do futebol profissional de 3,738 mil milhões de euros”, exemplifica a Premier League. “Não há quaisquer incentivos como havia a Lei Beckham em Espanha”, conclui.
E tocou num ponto sensível: a La Liga está em guerra com o governo de Pedro Sánchez, que tem o apoio do Podemos para subir os impostos “dois pontos para salários superiores a 130 mil euros e quatro acima de 300 mil”, explica a O JOGO a La Liga, que se queixa do IVA, que incide sobretudo nos bilhetes, ter baixado para os espetáculos culturais (10%, em Portugal baixou para 6%) e de o futebol ter de pagar 21% (23% por cá). “Das principais ligas, a única que tinha regime especial era a liga espanhola, com a Lei Beckham, que vigorou de 2003 até 2009. Com a crise, os espanhóis consideraram um escândalo Ronaldo e o Kaká só pagarem 24% de IRS – a Segurança Social só se aplica sobre quatro mil euros do rendimento”, contextualiza Luís Leon.
Da Federação Portuguesa de Futebol à Liga, do Ministério da Economia à Secretaria de Estado da Juventude e Desporto, da Bundesliga à Ligue 1 ou Super Lig (Turquia), as únicas respostas obtidas por O JOGO, após muita insistência, sobre o peso das contribuições sociais, foram da Lega Calcio Serie A (só confirmou os dados da KPMG) e do Ministério das Finanças “Não comentamos eventuais negociações que possam, ou não, ter existido no âmbito de trabalhos preparatórios do Orçamento do Estado”.