Félix e o futuro do futebol
Q ue jogaço. Um divertimento catedrático como não via há um bom tempo. Refiro-me, claro, ao jogo com o Sporting no domingo passado. Que aula de bola deu o Benfica em Alvalade, uma verdadeira aula magna. Desprovidos de bom senso e de sentido do espetáculo, os árbitros ainda tentaram estragar tudo, mas os craques do Glorioso não se deixaram ir abaixo. Fizeram de conta e continuaram a acelerar, a imaginar futebóis em tempo real, e é assim que tem de ser.
No “El Pais”, a propósito da Taça del Rey, Jorge Valdano pede um futebol sem videoárbitros, sem publicidade nas camisolas e de chuteiras pretas, à antiga. Tem toda a razão, assino já em baixo. Não só para a Taça — para os campeonatos todos, e para sempre. A ideologia do dinheiro e o positivismo dominante estão a matar o futebol do nosso coração. É preciso fazer alguma coisa. O futebol é o lugar onde, um domingo aqui, uma quartafeira acolá, podemos ser livres de novo, como em crianças. Dentro de um retângulo riscado no chão, experimentamos o mundo em conjunto. É um instante de noventa minutos em que, libertos das picuinhices cinzentonas do dia a dia, nos oferecemos o luxo de nos espantarmos connosco próprios. Se estamos sempre a parar a bola para ver o que diz a máquina, isso vai-se. Se a máquina vale mais do que a bola, mais vale engordar no sofá a jogar playstation. Ainda por cima, os erros dos árbitros não acabam assim. Pelo contrário, amplificam-se e deixam de ter desculpa.
Mas, voltando às vitórias desta semana com o Sporting: a de quarta não foi nada má, mas a de domingo foi melhor que boa. No centro dessa bela jogatana, esteve o nosso miúdo-maravilha, João Félix. Quando quem falha um golo de baliza aberta é considerado por todos o homem do jogo, é porque foi mais do que uma boa exibição. Aquilo foi um vendaval, caramba, um solo de futebol-arte capaz de comover Valdanos. Foi tão bom que deixou um travo agridoce. Mal caiu o pano sobre a apoteose, disse-me um amigo benfiquista, numa espécie de sussurro para não dar azar: “Já tenho saudades do João Félix.” Pois, digo eu. O que nos leva de volta às chuteiras pretas. É que o coração do futebol é a bola, não é o dinheiro. Aqui fica, para já, uma proposta modesta: e, se em vez de cláusulas de rescisão em cifrões, se libertassem craques só depois de, por exemplo, dois títulos de campeão e uma final europeia?
Quando quem falha um golo de baliza aberta é considerado o homem do jogo, é porque foi mais do que uma boa exibição