O Jogo

O que temos de decidir

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um argumento interessan­te. Se, no exercício do encargo da proteção da lei e da ordem, o Estado português vier a tirar dividendos da investigaç­ão do FC Porto (chamemos-lhe assim) sobre o “modus operandi” do Benfica nos anos em que foi campeão, porque é que não havemos de ser nós todos, os portuguese­s, a pagar aos encarnados a indemnizaç­ão que os dragões lhes devam por violação de correspond­ência? Eis mais um modesto-e-porémgrita­nte contributo para o imbróglio tão-negligenci­ado-e-todaviacad­a-vez-mais-colossal em que isto da justiça privada, por conta própria ou de outrem, está a tornar-se. Aproximamo-nos daquele ponto em que a própria justiça será incapaz de lidar com os trâmites e a natureza da justiça. E, como sempre aconteceu em períodos assim, o crime aproveitar­á para florescer. Guardem estas palavras: o mundo não está preparado para isto. A coesão dos Estados não aguenta isto. A própria civilizaçã­o pode não aguentar isto. Está tudo na internet – as nossas maiores glórias, as nossas mais mesquinhas vilezas, os nossos mais inconfessá­veis expediente­s –, e tudo na internet pode ser roubado. Deve o Estado premiar quem vá lá roubá-lo, mesmo que em favor do Bem, e ainda que se trate em primeiro lugar do Bem dos outros? Até que respondamo­s a esta questão filosófica, enquanto sociedade, continuare­mos a empurrar o problema com a barriga para a frente. Só que esse problema já se transformo­u num monstro e esse monstro está cada vez maior. No meio do caos em que com tanta convicção – até alegria – estamos a investir, um clube de futebol condenado ou indemnizad­o, hoje, é manchete. Amanhã não passará de notícia de pé de página. E um cidadão, seja ele quem for, nem isso. Sim, eu quero saber: deve o Estado pagar ao Benfica uma indemnizaç­ão que o FC Porto lhe deva? Precisamos de começar a criar ao menos alguma jurisprudê­ncia.

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