O Jogo

À DIMENSÃO FOOTBALL MANAGER

O adversário do FC Porto tem onze anos de vida e muita história. Era uma vez um bilionário diferente dos outros que pensava antes de gastar...

- ANDRÉ MORAIS, EM KRASNODAR (RÚSSIA)

Sergei Galitsy recusa mercenário­s e quer deixar o dinheiro na cidade. “Só” investe em infraestru­turas, mas já lá vão quase 400 M€. Scouting e trabalho no topo de um modelo virtual que faz sucesso no mundo real. Manager (FM), então esta história é para si. O FK Krasnodar é uma espécie de FM da vida real. Sem jogadores como Tsigalko ou Tó Madeira (se jogou, sabe bem de quem falamos), mas antes um plantel escolhido criteriosa­mente e com suporte real. Nenhuma observação de jogadores dura menos de três meses. Esta ésóu ma das orientaçõe­s de um livro de estiloescr­it opor S erg eyGalitsky, o famoso dono do adversário russo do FC Porto. Mas já lá vamos. A história não começa aqui…

Em 2008, Sergey Galitsky sentiu que a sua vida precisava de um novo desafio. Os 15 mil supermerca­dos que tem na Rússia deram-lhe bagagem para comprar o que quer que fosse. Sergey decidiu brincar ao futebol: haveria de criar um grande clube no Sul da Rússia (é natural de Sochi) e fazê-lo crescer de forma sustentada para que, depois dele, pudesse caminhar sozinho. “Escolheu a bonita cidade de Krasnodar porque, além de ser o centro empresaria­l em que mais tempo passa, tem um clima agradável e bem mais caloroso do que em Moscovo”, contam-nos no Catran Hotel, onde a reportagem de O JOGO se instalou. “Em Krasnodar existia o Kuban. Tentou comprá-lo, mas o estado não deixou. Então fundou o FK Krasnodar e fê-lo crescer tanto que o Kuban desceu e terminou”, completa Ruslan, um dos homens que fazem a segurança do Krasnodar Stadium, eventualme­nte o maior símbolo deste novoriquis­mo. “Quando cheguei fui assistir à receção ao CSKA e o Krasnodar tinha poucas centenas de adeptos. Hoje tem-nos na Rússia inteira, porque todos simpatizam com este modelo, até pelo clube ser recente. E o Sul precisava de uma grande equipa”, confirma Rui Miguel, médio-ofensivo do Trofense e um dos dois portuguese­s que jogaram no Krasnodar. “Jogávamos no estádio do Kuban, que desaparece­u. Entretanto fomos melhorando, apareceu o estádio novo e os adeptos do Kuban passaram a ser nossos”, completa Márcio Abreu, o outro. A operação de resgate estava concluída. Faltava o resto do plano do oligarca.

Abramovich é antireferê­ncia, o clube é da cidade

Galitsky não queria comprar Eto’o, Roberto Carlos ou outros craques, como fez o Anzhi até se apagar. Aliás, chegou a dizer que não se revia em Roman Abramovich. E, por isso, começou por baixo. O clube tem 11 anos de vida e caminha a passos largos para uma nova ordem russa e, quem sabe, até europeia. Galitsky duvida, porque sabe que o campeonato russo nunca será tão apelativo e porque a lei dos estrangeir­os não abre espaço a equipas monstruosa­s. Mas nem quer. O reforço da formação e da academia é paralelo ao cresciment­o da equipa principal. Tal e qual num clube a sério. “Não quer mercenário­s e acredita que o dinheiro deve ficar em Krasnodar, para as pessoas de Krasnodar desfrutare­m e verem os vizinhos a jogar futebol a alto nível”, contrapõe David Bagiyan, jornalista do “[Galitsky] não quer mercenário­s e acredita que as pessoas de Krasnodar devem sentir orgulho de ver os vizinhos a jogar” David Bagiyan Jornalista do SportsBox

SportBox.ru.

Centro de treinos à United e um ano de scouting

Em 2008, o Krasnodar estreou-se nas competiçõe­s amadoras, mas não subiu de imediato. O clube só tinha um logotipo e pagava para treinar e jogar. Depois veio a estrutura, o centro de treinos, o estádio, os vários departamen­tos (psicologia, treino de alto rendimento, alimentaçã­o e nutricioni­smo, scouting e todos aqueles que pudessem elevar o rendimento da equipa principal) e a seguir os bons resultados. Desde 2008, a equipa subiu dois escalões (nunca conseguiu a promoção direta e beneficiou das desistênci­as do FC Moscovo e do Saturn para ser repescado), estreou-se na I Liga, já esteve cinco vezes nas competiçõe­s europeias não termina abaixo de quinto há seis anos - e agora procura a estreia na Liga dos Campeões. “É o sonho dele. E, mais dois ou três anos, o Krasnodar é campeão da Rússia”, vaticina Márcio Abreu. “Ele podia acelerar e ir buscar os jogadores que quisesse, mas prefere fazer as coisas devagar. É um projetop assoa passo. Chegou a ir de pro pó si toà Alemanha comprar um aparelho para os jogadores recuperare­m mais depressa. E tínhamos uma máquina na nossa base que climatizav­a o espaço a -100 graus para recuperarm­os de imediato no final dos jogos. Quantos clubes tê misso ?”, questiona Márcio. “E o centro de treinos? É monstruoso! Um dia viu o centro de treinos do Manchester United [é fã assumido de Alex Ferguson], copiou a ma que te e mandou construir. Tem dois campos cobertos e mais uma série de relvados naturais e artificiai­s, tem hotel para os miúdos, hotel para as famílias, escola, centro de estudos, tudo!”, resume Rui Miguel, porque moKrasnod ar, na época dasubidaàI Liga, pagou um milhão de euros. “Quando fui assinar, disseram-me que tinham enviado uma pessoa para ver a época toda da I Liga portuguesa e encontrar um jogador para a minha posição”, conta.

Fair-play financeiro à risca

Tal como no Football Manager, o presidente não quer exceder um orçamento que as cada vez maiores receitas do clube não possam pagar. Aqui a falta de fair-play financeiro não se coloca: em 11 anos de existência, o Krasnodar gastou “apenas” mais 20 milhões de euros em compras do que aquilo que faturou em vendas. Os 12 milhões de euros pagos por Cabella ao Saint-Étienne há duas semanas desequilib­ram a balança. Os reforços chegam quase sempre ao reboque dos observador­es. O capitão (Martynovic­h), por exemplo, tinha 21 anos quando foi descoberto no Dínamo de Minsk, onde era suplente. O sueco Olsson e o islandês Fjóluson foram contratado­s num périplo pela Suécia. O marroquino Namli jogava no modesto PEC Zwolle, da Holanda, e Kaio Pantaleão estava no Santa Clara. A ideia é que o futuro esteja em casa. A formação começou com uma equipa de infantis e outra de iniciados, mas agora tem todos os escalões. “Tiro muito mais prazer da academia, que depende mais de mim”, frisou à Imprensa local. “Quando a equipa for formada todos os anos por jovens da nossa formação, quero ver quem se ri de nós”, prosseguiu, enquanto anunciava a criação de bolsas de acolhiment­o para que jovens talentos possam estudar e viver sem outra preocupaçã­o que não o futebol. A academia custou 80 milhões de euros, situa-se no meio do bosque e de centenas de árvores. Nela, os jogadores também aprendem… xadrez, para que desenvolva­m o pensamento.

O modelo é para manter. “Galitsky quer ter o mesmo sucesso que na vida empresaria­l e sabe que só passo a passo o consegue. Tenta deixar a paixão de fora e gere o clube como uma empresa, sem devaneios. Acredita que, se conseguiu tornar-se milionário com o trabalho, também pode fazer do Krasnodar um clube grande sem ter de aplicar todo o seu dinheiro. Apenas a sabedoria”, conclui DavidBagiy­an. Tal como no jogo…

“Chegou a ir de propósito à Alemanha comprar máquinas para recuperarm­os depressa após os jogos” Márcio Abreu Ex-jogador do Krasnodar

“Quando fui assinar, contaramme que tinham passado o ano em Portugal a ver jogadores para a minha posição”

Rui Miguel Ex-jogador do Krasnodar

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