O Jogo

“Nasci para a baliza”

A grande entrevista na véspera de completar 50 anos

- CARLOS PEREIRA SANTOS

AS HISTÓRIAS DE UMA CARREIRA ÍMPAR

“Guardiola tinha de ganhar mais do que eu”

“Pinto da Costa não me deixou ser o 69”

“Co Adriaanse antecipou o meu fim de carreira”

“Nem Scolari sabe por que me deixou de fora”

Pois é! Aquele rapazinho que se estreou na baliza do FC Porto com 18 anos completa 50 anos amanhã! Vítor Manuel Martins Baía e uma longa carreira de memórias. Façamos a viagem

Uns dias antes de completar esta bonita idade, O JOGO convidou Baía a fazer uma viagem no tempo e a recordar os momentos mais marcantes da sua vida. Está com 50, mas acha que tem menos, e o tempo também foi generoso com ele. Hoje, é uma das caras do Canal 11, e tem jeito para a coisa. Bem, para a baliza tinha muito mais, só porque foi excecional. Ele conta como tudo começou...

Que memórias guarda da infância?

— A alegria contagiant­e do caminho para os torneios de futsal em recintos de cimento, longe de imaginar o percurso que ia ter. Era uma alegria poder fazer aquilo que mais gostava. Tive uma infância tranquila. O meu pai era guardafisc­al, a minha mãe doméstica, num ambiente de paz e amor, e ambos ajudaram-me a ter a consistênc­ia necessária para abraçar a carreira.

Nasceu em S. Pedro da Afurada, mas quase só nasceu...

— É verdade. Quase só nasci lá, porque aos quatro meses mudei-me para Leça da Palmeira. Mas vou lá sempre que posso, identifico-me muito com aquela gente, com a raça, o espírito. Leça da Palmeira é a minha terra de adoção, como cantam os Expensive Soul, e muito bem, é a terra mais bonita de Portugal.

Desde criança que quis ser guarda-redes?

— Tenho consciênci­a de que nasci para ser guarda-redes. Tive as pessoas certas para potenciar as minhas qualidades. Nasci com qualidades naturais... também jogava bem à frente. O meu grande amigo de infância , e de hoje, o Domingos Paciência, achava que era melhor do que eu na baliza. E nos armazéns do quartel, hoje complexo da Bataria de Leça da Palmeira, andávamos sempre a ver quem era o melhor. Passávamos horas naquilo. Ele dizia que era melhor guarda-redes do que eu; eu dizia que era melhor avançado do que ele. Na baliza, dava-lhe 10-0... e chegou o momento em que o melhor, para mim, seria fixar-me na baliza.

Não foi fácil convencer o seu pai a deixá-lo jogar futebol...

O meu pai foi sempre muito rígido em relação à escola. Tanto eu como a minha irmã fomos excelentes alunos. O futebol era para desfrutar. Para conseguir entrar no futebol tive de ter boas notas. Na altura, o meu pai teve uma reunião com o meu treinador, que também era o presidente da Académica de Leça, Fernando Santos, e deixou bem vincado que podia jogar, mas primeiro estava a escola. Só com boas notas é que me deixava jogar. Que remédio, tive de ser bom aluno... Consegui até começar a ser chamado às seleções.

Como é que chegou ao FC Porto?

— Estive na Académica dos 8 aos 13 anos. Num torneio no Estádio do Mar, fomos à final e acabei por não ter muito trabalho. Fomos a penáltis, eu defendi-os todos e convidaram­me para fazer testes no FC Porto. Foi assustador chegar e olhar para o Estádio das Antas. Senti-me mesmo pequenino. Comigofora­moFernando­Santos e o Domingos, que também ia fazer testes.

Como é que correu?

— A primeira pessoa que encontrámo­s foi o Costa Soares, um dos responsáve­is pela formação, que olhou primeiro para o Domingos, que era um fivelinhas, e perguntou-lhe. ‘Então, rapaz, tu não comes?’ e o Domingos disse que sim, mas o Costa Soares disse-lhe que ele ia passar a comer noutro lado porque estava muito magro. A mim, olhou-me e perguntoum­e se o meu pai era alto. Eu disse que sim. Voltou a olhar para mim e insistiu, ‘mas é mais alto do que eu?’ [ele era baixo]. Um bom bocado, respondi-lhe. Eu era baixo, mesmo para a idade, e percebi depois que ele estava a olhar para o futuro. Estava numa missão de scouting...

Engatou logo a jogar?

— Cresci no FC Porto como guarda-redes liberto da pressão dos pais. Dou graças a Deus por o meu pai ter ido ver um jogo meu com o Leixões em que a minha mãe foi muito insultada. Ele nunca mais foi ver um jogo meu, de modo que cresci sem ter o meu pai a pressionar nas bancadas, ou a pressionar treinadore­s, como se vê ainda hoje, e na altura já era uma triste realidade. Estive três anos sem jogar, em que fui segundo ou terceiro guarda-redes, mas nunca desisti, fui sempre com um grande prazer treinar, e treinava sempre como se fosse o dia mais importante da minha vida. Tive sempre a sensação boa de que o meu dia havia de chegar. Não foi muito difícil depois. Eu nasci para ser guarda-redes.

“Dou graças a Deus por o meu pai ter ido ver um jogo meu ao Leixões em que a minha mãe foi insultada. Nunca mais quis ir”

“O Costa Soares olhou para o Domingos e disse-lhe. ‘Então, rapaz, tu não comes?”

“Falhar o Mundial de Riade deixou-me muito triste, mas não tive hipóteses de dizer que não ao FC Porto”

“O Artur Jorge marcou toda a minha carreira. Foi preciso ter muita coragem para apostar num jovem de 19 anos”

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