O Jogo

Astúcia de Mourinho deu em castigo

Suspensão de um mês serviu para o treinador dar o exemplo a todo o plantel; a história da escolha do capitão Jorge Costa (que hoje faz 48 anos...)

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A 22 de setembro de 2002, rebentou um caso no Dragão. Vítor Baía foi suspenso, alegadamen­te por uma “desavença grave” com o treinador, que era, nem menos, José Mourinho...

Este atrito com José Mourinho custou-lhe a titularida­de, ou melhor, a atividade. Foi suspenso, andou a treinar sozinho... Você não se dava com o Mourinho?

—[risos] Ainda hoje tenho uma ótima relação com o Mourinho. Tinha e tenho

grande consideraç­ão e amizade pela família e exatamente por isso é que nós chocámos... O Mourinho é uma pessoa muito inteligent­e. Quando ele chegou ao FC Porto, eu tratava-o por tu. Foi adjunto durante cinco anos no FC Porto e depois no Barcelona, onde estávamos quase sempre juntos. Eu coloco-me no lugar dele: foi inteligent­e na forma como criou, como geriu e como resolveu esse caso.

Surpreende­u-o a forma como atuou consigo?

—Sim, porque ele ali emancipou-se como treinador. Foi um exemplo para todos os outros colegas, que pensaram, naturalmen­te: ‘se ele faz isto ao Vítor, o que me fará a mim?’... Eu não entendia assim. Bastava falar comigo e resolvia-se tudo, mas ele entendeu que não o devia fazer.

Como é que desbloquea­ram a situação?

—Da mesma forma como fui castigado, fui ilibado... Estava há um mês suspenso, respondi à nota de culpa, não rebati item por item as acusações, mas pedi desculpa por ter faltado ao respeito ao treinador. De repente, tive ordem para treinar. Tivemos um jogo em Leiria, onde empatámos 2-2, e um dia depois o Silvino disse-me que o homem queria falar comigo. Achei que era mau sinal, mas o Silvino sossegou-me. O jogo seguinte era para a Champions, com o Rapid Viena. Perguntou-me como estava a família, como é que eu estava e depois disparou. ‘Queres jogar? Então vais jogar na quarta-feira’. Lembreilhe que tinha estado um mês parado e ele disse, ‘não me interessa. Se acontecer alguma coisa menos boa, no próximo jogo serás tu e mais dez’. O jogo correu-me bem, ganhámos, e eu recuperei a titularida­de, mas foi uma boa lição que levei. Ele tinha coisas fantástica­s, sabia motivar o grupo, acho que não as perdeu, ou melhor, tenho a certeza de que não as perdeu. Continua a ser um dos melhores treinadore­s do mundo.

Será para sempre um nome ligado à sua carreira...

—À minha e de todos que conviveram com ele no FC Porto, o clube não o esquece, os adeptos não o esquecem, nós não nos esquecemos. O José Mourinho ajudou ao cresciment­o internacio­nal do FC Porto. Não estamos a falar de um clube inglês, alemão, italiano, espanhol ou francês, habituados a grandes vitórias europeias. Portugal não faz parte desse lote de candidatos, ainda hoje. Por isso, o tamanho do feito que conseguimo­s é brutal. Talvez só daqui a muitos anos as pessoas terão a real dimensão dos nossos triunfos. A nós soube-nos muito bem...

Esses dois anos, 2003 e 2004, mostraram uma geração única?

— Acho que não há dúvidas de que foi das gerações mais marcantes do clube. Éramos uma grande equipa. E solidária. Quando o Jorge Costa regressou do Charlton, colocou-se a questão de quem seria o capitão. Mourinho colocou a questão ao grupo. Estavam todos assustados, ou era eu ou era ele. E tinham que decidir os jogadores, de braço no ar. Acabámos com aquilo. Eu disse ao grupo que o Jorge era o meu capitão, e o Mourinho deu a sentença. ‘Pronto, está resolvido, é o Bicho’. Nesse dia ganhámos uma equipa.

“Vivi numa das gerações mais marcantes do FC Porto” “O José Mourinho fez muito pelo prestígio internacio­nal do clube” “Quando o Bicho regressou do Charlton, havia que escolher o capitão. Foi simples. Era ele”

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