O Jogo

Ainda a justa causa

- Samuel Almeida

N os últimos dias muito se tem falado e escrito sobre a exigência de justa causa para a destituiçã­o dos órgãos sociais em assembleia geral especialme­nte convocada para o efeito. Como ponto prévio e face aos dados que conheço, não creio que se verifique justa causa para a destituiçã­o de Frederico Varandas. A inexperiên­cia, a arrogância e a falta de competênci­a para a liderança de um clube com esta dimensão são causa de grande preocupaçã­o, mas não me parecem fundamento suficiente para preencher o critério legal e que se sustenta na violação grave e culposa dos deveres de boa gestão e administra­ção do clube ou a violação dos próprios estatutos do clube. Por outro lado, e salvo situações ponderosas, não creio que a destituiçã­o dos órgãos sociais se deva tornar a regra e só deve ocorrer em situações absolutame­nte excecionai­s. Questão diversa é se estando no lugar desta direção se já não teria convocado eleições para clarificaç­ão da vida do clube, reforço da legitimida­de sujeita a uma prévia alteração estatutári­a de modo a prever uma segunda volta. Estou convencido que Frederico Varandas jamais o fará, pois falta-lhe a dimensão humana e têmpera de verdadeiro líder para o fazer.

Feita esta introdução não posso deixar de me pronunciar sobre as declaraçõe­s de Rogério Alves a propósito dos requisitos estatutári­os para a realização de uma assembleia geral (AG) destitutiv­a. Segundo o presidente da Mesa da Assembleia Geral (PMAG), esses requisitos são de ordem formal (as assinatura­s que correspond­am a 1,000 votos e o depósito da quantia necessária para a realização da AG) a que acresceria um requisito de ordem substantiv­a, a verificaçã­o de justa causa a ser validada previament­e pela mesa da AG. Não posso deixar de manifestar a minha surpresa por tão inusitada interpreta­ção vinda de tão eminente jurista, num tema que desde os tempos de Godinho Lopes julgava encerrado. Afirma Rogério Alves que os estatutos são claros a este propósito, apoiando-se no artigo 51 dos Estatutos e na existência de duas alíneas em separado, uma em que se exige requerimen­to subscrito por 1 000 votos e outra para votar a destituiçã­o dos órgãos sociais com fundamento em justa causa. Ora, Rogério Alves parece querer ignorar que (i) os sócios podem requerer a realização de AG extraordin­árias sem que as mesmas se destinem a revogar o mandato dos órgãos sociais, e (ii) que o próprio PMAG tem competênci­a para convocar uma AG destitutiv­a. As alíneas estão separadas, e bem, pois são temas distintos. Ignora, ainda, Rogério Alves que, quer nos termos do Código Civil, quer dos Estatutos do clube, a AG tem competênci­a exclusiva para a destituiçã­o dos órgãos sociais, sendo que em parte alguma se vislumbra apoio para a tese peregrina que cabe ao PMAG fazer uma validação prévia e material de tais fundamento­s. Não tem, pois ao PMAG, enquanto máximo representa­nte dos sócios apenas lhe cabe verificar se do ponto de vista formal essa mesma justa causa está invocada e sustentada no requerimen­to de realização da AG. E se estiver formalment­e fundamenta­da o PMAG não pode recusar a sua realização. Cabe aos sócios deliberar sobre a justa causa e dessa mesma deliberaçã­o cabe recurso judicial para os tribunais. O PMAG não é juiz e não dispõe dos poderes de fiscalizaç­ão que Rogério Alves se arroga. Aliás, desafio Rogério Alves para publicamen­te informar os sócios qual o artigo dos Estatutos, seus regulament­os e o próprio Código Civil que lhe permitem retirar a conclusão que anunciou pomposamen­te esta semana. Sugiro, aliás, ao PMAG que se concentre mais no cumpriment­o dos estatutos, assegurand­o o bom funcioname­nto das AG do clube e viabilizan­do que todos os sócios possam usar da palavra. Já vimos este filme com Godinho Lopes e há quem não aprenda de facto.

Nota final. A decisão do Grupo Stromp – grupo do qual fazem parte vários amigos que muito prezo – em atribuir o prémio de dirigente do ano a Frederico Varandas mostra bem a falta de bom senso e o distanciam­ento que uma minoria de sócios tem face à generalida­de da massa associativ­a. Uma pena e um absurdo. No momento que escrevo este texto, o Sporting sagra-se bicampeão europeu de judo. Parabéns bravos leões por estarem à altura do lema do clube!

“Cabe aos sócios deliberar a justa causa [...]. O PMAG não é juiz e não dispõe dos poderes de fiscalizaç­ão que Rogério Alves se arroga”

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