Gullit, o novo cavaleiro da cruzada anti-racismo
Negro entre brancos, branco entre negros, o mulato holandês que teve o mundo a seus pés agora percorre-o noutro jogo, mas com ideias novas
Embora defensor das minorias, o antigo craque do Milan e da Holanda também denunciou o racismo reverso e desafiou o franco-argelino Zidane a falar sobre o tema. “Isto é um cancro”, disparou
Ruud Gullit não começou por ser Ruud Gullit. Nos anos 1970, o mulato de origem surinamesa era Rudi Dil quando pontapeava bolas no bairro Jordaan, na zona oeste de Amesterdão, com o seu amigo de infância Frank Rijkaard – os pais de ambos tinham viajado juntos do Suriname (a antiga Guiana Holandesa) até aos Países-Baixos. Os dois amigos eram os craques maiores de Balboaplein, a praça onde a miudagem local jogava futebol. Iniciaram-se juntos no DWS Amsterdam e por essa altura já sabiam que havia um problema de racismo, pese a tolerância de costumes neerlandesa. Para Gullit, pouco mudou, mas hoje o antigo internacional holandês tem uma visão diferente do problema e tem-se revelado dos seus maiores cruzados entre personalidades ligadas ao desporto.
George Gullit, pai do futuro astro, era um negro professor de economia e a mãe Ria Dil, uma branca que trabalhava no Rijksmuseum. Ruud nunca esqueceu as dificuldades que a cor lhe causou. Era um branco para os negros e um negro para os brancos. A identidade, essa encontrou-a na melhor amiga: a bola. 23 títulos coletivos depois por clubes e seleção (a que se somam mais cinco individuais), aquele que foi um dos maiores futebolistas dos anos 1980/90 já teve o mundo a seus pés e agora quer chutar o racismo para longe. É uma maldição que nunca fintou verdadeiramente, mesmo quando conquistou o planeta. “Eu já tinha ganho tudo pelo Milan, era campeão europeu pela Holanda e era sempre controlado à parte nos aeroportos”, lembra Gullit, que ficou famoso pelo seu “look” rasta nos tempos de jogador.
“Isto é um cancro!”, disparou Gullit na televisão holandesa, onde é comentador após uma carreira curta como técnico. O antigo multicampeão pede mesmo “uma revolução”, apontando o dedo às mais altas esferas do futebol. “Eu não sou aquela pessoa para quem olham e dizem: ‘Lá está ele outra vez...’ A verdade é que se olharmos para a FIFA, para a UEFA, para as federações de Inglaterra e de Holanda, não vemos lá ninguém negro, mas o racismo tem muitas outras formas”, disse.
Marega ficou atravessado
Embora defensor de minorias, o antigo médio/avançado do Haarlem, Feyenoord, PSV, Milan, Sampdória e Chelsea já denunciou o racismo reverso. “Não podemos pensar em pessoas como negras, brancas, mestiças, mas sim como boas ou más, competentes ou não. As oportunidades devem ser iguais.” Crítico da violência nos Estados Unidos, na Europa e seus recintos de futebol, Gullit visou... os atletas do FC Porto, depois da cena de Marega em Guimarães, em fevereiro passado. O holandês acusou: “Os jogadores do FC Porto deviam ter marcado uma posição pelo Marega e saído de campo com ele.”
Presença habitual em colóquios e fóruns de combate ao racismo, Gullit já correu mundo. Para o filho de George negro e Ria branca, “é agora ou nunca”: “O futebol é uma arma poderosa contra o racismo. Temos de acabar com isto de vez, mas o problema é sempre a vitimização, principalmente para o negro. É quase impossível um jogador negro denunciar racismo sem que o acusem de vitimizar-se.” E ainda lançou um desafio. “Zidane tem origem argelina. Seria interessante ouvi-lo falar de racismo. Iria dar uma vibração diferente à discussão”, sugeriu.