O Jogo

Gullit, o novo cavaleiro da cruzada anti-racismo

Negro entre brancos, branco entre negros, o mulato holandês que teve o mundo a seus pés agora percorre-o noutro jogo, mas com ideias novas

- FILIPE ALEXANDRE DIAS

Embora defensor das minorias, o antigo craque do Milan e da Holanda também denunciou o racismo reverso e desafiou o franco-argelino Zidane a falar sobre o tema. “Isto é um cancro”, disparou

Ruud Gullit não começou por ser Ruud Gullit. Nos anos 1970, o mulato de origem surinamesa era Rudi Dil quando pontapeava bolas no bairro Jordaan, na zona oeste de Amesterdão, com o seu amigo de infância Frank Rijkaard – os pais de ambos tinham viajado juntos do Suriname (a antiga Guiana Holandesa) até aos Países-Baixos. Os dois amigos eram os craques maiores de Balboaplei­n, a praça onde a miudagem local jogava futebol. Iniciaram-se juntos no DWS Amsterdam e por essa altura já sabiam que havia um problema de racismo, pese a tolerância de costumes neerlandes­a. Para Gullit, pouco mudou, mas hoje o antigo internacio­nal holandês tem uma visão diferente do problema e tem-se revelado dos seus maiores cruzados entre personalid­ades ligadas ao desporto.

George Gullit, pai do futuro astro, era um negro professor de economia e a mãe Ria Dil, uma branca que trabalhava no Rijksmuseu­m. Ruud nunca esqueceu as dificuldad­es que a cor lhe causou. Era um branco para os negros e um negro para os brancos. A identidade, essa encontrou-a na melhor amiga: a bola. 23 títulos coletivos depois por clubes e seleção (a que se somam mais cinco individuai­s), aquele que foi um dos maiores futebolist­as dos anos 1980/90 já teve o mundo a seus pés e agora quer chutar o racismo para longe. É uma maldição que nunca fintou verdadeira­mente, mesmo quando conquistou o planeta. “Eu já tinha ganho tudo pelo Milan, era campeão europeu pela Holanda e era sempre controlado à parte nos aeroportos”, lembra Gullit, que ficou famoso pelo seu “look” rasta nos tempos de jogador.

“Isto é um cancro!”, disparou Gullit na televisão holandesa, onde é comentador após uma carreira curta como técnico. O antigo multicampe­ão pede mesmo “uma revolução”, apontando o dedo às mais altas esferas do futebol. “Eu não sou aquela pessoa para quem olham e dizem: ‘Lá está ele outra vez...’ A verdade é que se olharmos para a FIFA, para a UEFA, para as federações de Inglaterra e de Holanda, não vemos lá ninguém negro, mas o racismo tem muitas outras formas”, disse.

Marega ficou atravessad­o

Embora defensor de minorias, o antigo médio/avançado do Haarlem, Feyenoord, PSV, Milan, Sampdória e Chelsea já denunciou o racismo reverso. “Não podemos pensar em pessoas como negras, brancas, mestiças, mas sim como boas ou más, competente­s ou não. As oportunida­des devem ser iguais.” Crítico da violência nos Estados Unidos, na Europa e seus recintos de futebol, Gullit visou... os atletas do FC Porto, depois da cena de Marega em Guimarães, em fevereiro passado. O holandês acusou: “Os jogadores do FC Porto deviam ter marcado uma posição pelo Marega e saído de campo com ele.”

Presença habitual em colóquios e fóruns de combate ao racismo, Gullit já correu mundo. Para o filho de George negro e Ria branca, “é agora ou nunca”: “O futebol é uma arma poderosa contra o racismo. Temos de acabar com isto de vez, mas o problema é sempre a vitimizaçã­o, principalm­ente para o negro. É quase impossível um jogador negro denunciar racismo sem que o acusem de vitimizar-se.” E ainda lançou um desafio. “Zidane tem origem argelina. Seria interessan­te ouvi-lo falar de racismo. Iria dar uma vibração diferente à discussão”, sugeriu.

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Ruud Gullit é presença habitual em ações de promoção do desporto e em iniciativa­s de combate ao racismo

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