O Jogo

UM DESERTO A CAMINHO DO CATAR

A Seleção começou o apuramento para o Mundial em modo pré-Fernando Santos. Pouco entusiasmo, nenhum rasgo e um autogolo para ajudar

- Textos JOSÉ MANUEL RIBEIRO

Portugal arrancou a maratona do Catar’2022 com um jogo temático em homenagem ao país anfitrião: foi um deserto, a fazer lembrar os tempos pré-Santos, quando a Seleção tinha fastio

Se o católico Fernando Santos decidiu render-se ao maquiaveli­smo e gastar hora e meia a enganar a Sérvia, o adversário de sábado e o mais potente do grupo de apuramento para o campeonato­domundo,ojogo de ontem, em Turim, foi uma obra-prima. Se não foi o caso, e palpita-me que não, o Portugal-Azerbaijão foi uma prima muito afastada da obra de Santos. O regresso da Seleção torturou as vistas e a paciência. Começou com algumas meias surpresas, como Domingos Duarte ao lado de Rúben Dias na defesa e a escolha de Pedro Neto para completar o trio assimétric­o do ataque. Menos surpreende­nte, por faltar Raphael Guerreiro, foi Nuno Mendes na esquerda.

Foi esse o lado que começou manco, porque Neto fez a primeira meia-hora na direita, acompanhan­do Cancelo. Daí resultaram cruzamento­s para uma área onde se juntavam, pelo menos, seis jogadores contra André Silva e Ronaldo. A falta de algum sentido de urgência também ajudava a que os seis se juntassem sempre a tempo de anular os dois atacantes. O espaço que sobrava

– deixado vago pelos médios que se enfiavam na área – poucas vezes era utilizado, na ânsia habitual de procurar Cristiano, ou então porque a noite não estava para grandes raciocínio­s. À falta de outra diversão, quem gosta de detalhes pôde entreter-se com o o avançado Ghorbani, que nessa primeira parte conseguiu dar uma cotovelada e uma joelhada em Domingos Duarte (ambas na cabeça e no mesmo lance), outra joelhada na cabeça de João Moutinho e ainda uma cotovelada nas costas de Nuno Mendes. Um thriller dentro de um filme de Manoel de Oliveira.

Que o golo tenha sido produzido e executado por dois azeris, aos 37’, não surpreende. A Seleção estava num daqueles dias de dar a vez e os golos, já se sabe, tendem a preferir quem está mais perto da baliza. Era quase uma questão de física que aquelas aglomeraçõ­es na área acabassem num ressalto fatal (37’), aliás, profetizad­o duas vezes antes de Medvedev pôr a bola lá dentro, depois de socada pelo guarda-redes. Portugal não desenferru­jou, mesmo assim, pelo contrário. A segunda parte trouxe ainda mais pobreza e um Ronaldo errático, complicati­vo, abaixo dos colegas que já estavam eles próprios desligados. Os cliques que as aceleraçõe­s de Pedro Neto tinham valido, duas ou três vezes, antes do intervalo, desaparece­ram e nada os substituiu, nem Rafa, que saltou do banco aos 63’. Bruno Fernandes entrou aos 45’ já em sintonia perfeita com o desacerto dos colegas. Remates à figura, displicênc­ia, hesitações.

Entretanto, até o Azerbaijão melhorava, ao ponto de chegar (contei eu) aos nove passes seguidos e a um esboço de esboço de golo, quando Anthony Lopes abriu a baliza a Nuriiev (70’). O eletrocard­iograma da Seleção só acusou algum batimento depois de entrar João Félix, primeiro por ter entrado com vontade e depois, talvez, porque sempre arrumava a casa. Como quem saiu foi André Silva, Cristiano teve de dar dois passos em frente para jogar a ponta de lança, o que permite sempre a Portugal ocupar as duas posições que ele tende a deixar vagas quando joga livre atrás de um avançado (na esquerda e na ligação com o meio-campo). Contaram os três pontos. Gostaria de dizer que Domingos Duarte ganhou terreno como parceiro de Rúben Dias e que Nuno Mendes entrou com o pé direito, ou esquerdo no caso dele, mas aquilo era o Azerbaijão e nunca pareceu outra coisa. A Seleção portuguesa é que fez lembrar algumas das suas más versões anteriores.

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André Silva lutou com os centrais contrários
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