O ADEUS A UMA GERAÇÃO
DESPEDIDA Numa conversa com o OJOGO, Edite Fernandes, Sílvia Brunheira e Paula Cristina contaram os motivos do ponto final na carreira
A paixão avassaladora pelo futebol foi a principal razão a manter as três internacionais lusas na rota do futebol durante tantos anos. Os sacrifícios e as dificuldades fizeram parte do percurso
Edite, Sílvia e Paula são nomes que marcam uma geração do futebol feminino em Portugal. As três juntas partilharam o balneário da Seleção Nacional e do 1.º Dezembro e, no mesmo momento, anunciaram o fim das longas carreiras.
A decisão de deixar o futebol foi muito ponderada?
— Paula Cristina: Sim. É caricato, porque tinha terminado a minha carreira em 2014, mas, posteriormente, em 2016, voltei a jogar. Desde essa altura até agora foi adiar, adiar... Já tinha decidido isto no início da época, independentemente do que acontecesse. O facto de o Boavista ter alcançado a permanência foi uma coincidência, porque iria deixar de jogar de qualquer forma. Os meus joelhos já não tinham saúde para continuar. Embora me sinta bem fisicamente, quero fazer mais e depois não dá. — Sílvia Brunheira: A idade não perdoa. Apesar de sentir a nível de caixa e resistência tudo igual, as recuperações das lesões são muito mais demoradas. Atingimos um patamar limite das nossas carreiras. Tal como a Paula, isto foi pensado desde o início da época, independentemente do que acontecesse. — PC: Nem que te ofereçam milhões... — SB: Hum... não [risos]. Gosto de jogar futebol quando sinto que ajudo uma equipa, mas quando sinto que não estou a contribuir totalmente, pelo menos como estava habituada, não faz sentido. Acho que temos de ser humildes e perceber que chegou o fim. É um virar de página, e se calhar até o fechar de um livro. Já demos tanto ao futebol, foram muito sacrifícios, muitos jogos nas pernas, muita carga, muita coisa que já pesa. Já não conseguia continuar, até mesmo pela questão das rotinas... o não sermos profissionais faz com que tenhamos de ir para os treinos depois de um dia de trabalho. Todas as jogadoras que tiveram este percurso aguentaram muito em ter esta dualidade de atividades, tanto a profissional como esta, que é um passatempo, mas que levamos como uma profissão. — Edite Fernandes: No meu caso, foi uma decisão pensada, mas estive até ao último momento na dúvida, porque ainda me sentia bem fisicamente para fazer mais um ano. De qualquer das formas, há um timing certo para parar, e era este o momento. — SB: Ao contrário de mim, acho que a Edite dava mais uns dois aninhos, pelo menos. Eu saí a arrastar-me, ela saiu em grande [risos]. — EF: Acho que ainda estou um bocadinho anestesiada e nos primeiros tempos vou sentir...
Sentem que ficou alguma coisa por fazer no futebol?
— SB: Por fazer, não propriamente. Mas por ganhar, sim. Estive na Seleção e nunca marquei um golo. Para mim, foi algo que ficou por fazer e também o facto de não termos ido a um Campeonato da Europa. Ou até mesmo não ter passado a fase de grupos da Liga dos Campeões. — PC: Penso da mesma forma. Faltou um Europeu/ Mundial pela Seleção. — EF: Ficou essa mágoa.
A nível pessoal, o futebol foi impedimento para fazerem alguma coisa?
— SB: Algumas coisas que estávamos a planear fazer em determinada altura na nossa vida, tipo umas férias, sim. Enquanto estive na Seleção, e estive lá dez anos, não tinha férias. Trabalhava e gastava as minhas férias no estágio. — PC: Acho que nós não somos as prejudicadas; a haver algum prejudicado, são os nossos familiares e quem está à nossa volta. Esta saída é ponderada dessa forma. A dada altura queremos fazer coisas diferente que, com o futebol, não é possível.
“A dada altura , queremos fazer coisas diferentes que, com o futebol, não é possível”
Paula Cristina
Ex: jogadora do Boavista
Acreditam que nos dias de hoje é mais fácil enveredar pelo futebol?
— SB: Quando começámos a
jogar à bola éramos apelidadas de “maria-rapaz”. Havia sempre aquela rejeição, aquele olhar de lado para as miúdas que jogavam à bola e já não é assim. Agora, parece que há um orgulho na sociedade. — PC: E não só, mesmo a nível de ofertas. Sempre gostei de jogar futebol e só comecei com quase 17 anos. — EF: Exato, era uma realidade que não era falada. Quando cheguei ao Boavista, não conhecia ninguém da equipa e era lá que estavam as melhores jogadoras.
Para terminar, há tempo para me contarem alguma história vossa?
— PC: Elas as duas...ui. — SB: Vou contar uma dos tempos da Seleção. A Edite é testemunha que cada refeição era uma martírio para a Paula, que não aguentava com as minhas provocações. As nossas refeições passavam-se comigo a enervar a Paula, com a Edite a rezar para que eu parasse e com a Carla Couto a dar-me pontapés debaixo da mesa [risos]. — EF: Confirmo isso, mas elas eram o rock e a amiga, não se largavam.
“É caricato, porque tinha terminado a minha carreira em 2014, mas, posteriormente, em 2016, voltei a jogar. Desde essa altura, foi adiar, adiar...” Paula Cristina Ex-jogadora do Boavista
“Estive até ao último minuto na dúvida, porque ainda me sinto bem fisicamente, mas há um timing certo para parar, e era este o momento” Edite Fernandes Ex-jogadora do Futebol Benfica
“Temos de ser humildes e perceber que chegou ao fim. É um virar de página, e se calhar até o fechar de um livro” Sílvia Brunheira Ex-jogadora do Futebol Benfica