A geopolítica de bancada
P ara um verdadeiro adepto de futebol – como gosto de pensar que sou – a eliminação da Seleção portuguesa, sendo uma grande desilusão, não me fez perder o interesse no Campeonato da Europa. Continuei a ver os jogos, e ainda bem, pois assisti a belíssimos momentos deste desporto de que tanto gostamos. E espero que ainda venha a assistir a mais alguns. Devo confessar que este campeonato europeu me fez recordar, um pouco, os longínquos anos 70 e 80 do século passado, em que eu assistia aos grandes eventos desportivos - Jogos Olímpicos, campeonatos do mundo ou daEuropa e outros – quase sempre numa perspetiva geopolítica. Na minha mente de pré-adolescente, acrítica e ingénua, absorvia tudo aquilo que os adultos que me rodeavam verbalizavam. Numa época em que todos os grande eventos desportivos eram marcados pela divisão do mundo em dois, o bloco ocidental e o bloco de leste, a visão que eu tinha destes grandes eventos era uma espécie de “Senhor dos Anéis” do desporto, em que havia os desportistas que encarnavam as forças do bem (os do ocidente) e os das forças do mal (os do Pacto de Varsóvia). E sempre com a sombra da guerra nuclear por cima de nós. Era isso que ouvia dos adultos. Por isso, torcia pelos americanos, pelos ingleses ou pelos franceses e contra os soviéticos, os polacos ou os jugoslavos. Hoje, muitos milhares de páginas lidas depois, sei que as coisas nunca foram assim tão simples; nem os ocidentais eram assim tão bons, nem os de leste eram assim tão maus. E hoje o mundo está bem diferente. Mas o perigo do conflito não está assim tão longe. Como bem mostra Thomas Piketty, no seu livro “Capital e Ideologia”, a situação da Europa antes do eclodir das duas guerra que despedaçaram o velho continente era marcada por uma profunda desigualdade no acesso das pessoas ao rendimento e à propriedade (10% da população detinha 90% da riqueza europeia) e por um exacerbar do sentimento ultranacionalista e identitário. Foi o jogo destes dois elementos – desigualdades económicas e nacionalismo identitário – que fez eclodir as guerras mundiais. A Europa de hoje assiste, num certo espectro do pensamento popular, a um verdadeiro recuo civilizacional no que diz respeito ao incremento do sentimento identitário (xenófobo, racista, homofóbico, etc…) e nacionalista. Países como a Polónia ou a Hungria têm no governo políticos de perfil identitário, com políticas que representam um recuo ao início do sec. XX e que fazem com que, por exemplo, um miúdo de 14 anos não possa ler o Harry Potter (?!). Por isso, dei por mim a torcer pela eliminação das seleções destes países no Campeonato da Europa, ou seja, mais do que razões desportivas (essas só me levam a torcer pela nossa Seleção), também vi este Campeonato da Europa com sentimentos de geopolítica internacional. E fiquei feliz com as derrotas da Hungria e da Polónia, como se tratasse de uma vitória das “forças do bem” sobre as “forças do mal”. Tal como quando era mais novo…
Vi este Campeonato da Europa com sentimentos de geopolítica. E fiquei feliz com as derrotas da Hungria e da Polónia