A preguiça que o público escondeu
O regresso dos adeptos às bancadas sugere que a grande maldade do Governo para com o desporto terá sido essa. Nada de mais errado. O crime foi a indiferença reiterada e surda a todos os argumentos.
A bra-se o champanhe: a decisão da Supertaça terá público. A reboque, talvez todo o desporto volte a tê-lo também. A tempestade passou e os passarinhos chilreiam. Mas chilreiam ensopados, a tossir e com metade das penas que tinham há um ano. Perdoem-me o exemplo pessoalíssimo do jornalismo, que dou para melhor se entender a relação Governo/ desporto. Um jornal não é uma fábrica de sapatos. Quando a pandemia e o confinamento chegaram, os pontos de venda desapareceram de um dia para o outro (por imposição governamental), mas os jornais continuaram a ter o mesmo número de páginas para fazer. A solução do Governo foi a da fábrica de sapatos: seguem para lay-off os trabalhadores desnecessários, porque menos sapatos para vender significa menos funcionários para os fazer. Durante três meses, os jornais acomodaram-se: fizeram exatamente os mesmos “sapatos” que faziam antes mas com menos pessoas, ou as mesmas pessoas a trabalharem menos tempo, para poderem aceder à única ajuda que o Estado possibilitava na pior crise em cem anos. Depois desses três meses, já nem isso era fazível. Aos olhos do Governo, somos todos fábricas de sapatos sem diferenças entre elas que justifiquem pensar caso a caso, para proteger cada área da economia da melhor forma possível. Esta é a razão de queixa do futebol, do desporto e do país. O público é apenas mais uma decisão alheia, como o fecho dos postos de venda de jornais, que pôs os cidadãos a pagar a pandemia, com dinheiro e empregos, sem receberem em troca o mínimo exigível: que o Governo reparasse que os nossos problemas são diferentes dos problemas do vizinho. E o futebol que não se queixe. Há públicos que não regressam.