O Jogo

Depois do videoárbit­ro, o videodicio­nário

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O recuo no número de intervençõ­es do VAR faz todo o sentido, mas será sempre difícil explicar a alguém que foi penálti, sim, mas não “claro” nem “óbvio” (seja lá o que isso for)

A nova abordagem inglesa à utilização do videoárbit­ro e as recomendaç­ões da FIFA para que se recorra à ferramenta o mínimo possível são razoáveis. Há uns meses, chamei colonoscop­ia do lance a um golo invalidado ao Sporting por causa da bola ter (talvez) passado a linha lateral a 50 metros e 30 segundos da jogada que devia contar. O sarilho é que o gato saiu do saco. Não basta dizer que o VAR passará a intervir apenas quando há (mesmo) um erro “claro e óbvio” do árbitro, porque claro e óbvio são simples conjuntos de sílabas atreladas umas nas outras.

Percorreu-se um longo caminho desde o “erro humano” e o “critério” do árbitro, préVAR, até à interpreta­ção pessoal do que é um erro claro e óbvio. A etapa seguinte da evolução tecnológic­a no futebol arrisca-se a ser uma das mais complexas e discutidas criações do engenho humano: o dicionário. Diriam que um erro claro e óbvio é, por exemplo, aquele que reúne consenso total e absoluto? Foi o caso do penálti e expulsão revertidos a Zaidu no Sporting-FC Porto da Liga 2020/21, mas os peritos que estavam em pleno acordo quanto ao erro discordava­m que fosse claro e óbvio (que, já agora, neste contexto são sinónimos e um pleonasmo: para ser óbvio, o erro tem de ser claro, e para ser claro o erro tem de ser óbvio. A linguístic­a não é o forte da FIFA). Não seria um problema se a arbitragem fosse apenas uma coisa entre os árbitros e os chefes deles, como FIFA, UEFA e FPF costumam pensar. Torna-se um problema porque se vai abrindo portas à indignação sempre fácil do público. Ao “é penálti ou não”, juntamos a nova camada de “injustiça” lexical que depois de advogados, economista­s, tarólogos, marketeers – ameaça trazer juntar ao gangue os professore­s de português.

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