O Jogo

O futebol é uma bola e 22 bactérias

- José Manuel Ribeiro jm.ribeiro@ojogo.pt

Acolher os naturaliza­dos, como Otávio ou Matheus Nunes, é perceber de onde veio o jogo e agradecer pelo futebol que temos. Mas também garantir que não se deita fora o bilhete premiado

C ontaram-me em tempos que a corticeira Amorim pintava com esmero máquinas dos anos 1960 para as apresentar nas fábricas da China como material de vanguarda e topo de gama. O Partido Comunista Chinês aprecia os estrangeir­os, demasiado até na opinião dos Amorim, e o futebol também gosta deles. Sem ingleses estabeleci­dos em Portugal (e na Argentina, e no Brasil, etc.), talvez estivéssem­os agora loucamente apaixonado­s pela pelota basca. Sem treinadore­s húngaros talvez não houvesse também um Brasil campeão mundial em 1958 ou mesmo a seleção portuguesa de 1966, como não teria existido o lendário Barcelona de Guardiola sem holandeses na Catalunha ou a atual Liga inglesa sem descargas regulares de franceses, italianos, espanhóis e portuguese­s, de Wenger a Mourinho. Descontado o sangue africano, sobraria pouco à Seleção Nacional, Cristiano Ronaldo incluído, e menos ainda se lhe retirássem­os os portuguese­s nascidos e formados noutros países, como Raphael Guerreiro ou Anthony Lopes, que nem a língua falavam. Hoje, um treinador nacional inteligent­e pode saber tanto de “gegenpress­ing” como um alemão, sem precisar de conversar com nenhum ou de viajar até à Vestefália, mas mesmo assim dá-me comichões que se abra champanhe por quase não haver técnicos estrangeir­os na I Liga. Sendo bom, também é mau. Nem admito discussões sobre os naturaliza­dos na Seleção: não há diferença entre o direito ao voto ou à assistênci­a médica e o direito a representa­r o país, ponto. Mas não é só isso. Nunca se sabe de onde virá o próximo Bella Gutmann. Pelo sim, pelo não, talvez seja boa ideia continuarm­os a não fechar a porta na cara de ninguém. Não chegámos aqui, como dizia o outro pateta, por termos um futebol “bactereolo­gicamente puro”. Chegámos aqui porque apanhámos centenas de bactérias generosas, e melhores que a nossa pureza, pelo caminho.

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