Antes a ponte, nunca a fronteira
Ocomplexo da ponte foi um estigma que se colou ao FC Porto nos tempos mais antigos. Algo que nunca cheguei a conhecer, apenas um síndroma complexo, o de sentir a derrota como quase certa quando a equipa abandonava a sua vizinhança, saía de casa, atravessava a ponte em direcção a sul, rumo ao jogo que não faria mais pela sua autoestima do que alavancar uma hipotética vitória moral. Era o tempo das inevitabilidades, ainda na era pré-Calabote onde, mais do que nunca, ganhar ao centralismo era ganhar à ditadura e vencer os rivais era uma prova de esforço e glória. Décadas onde o país se dividia em dois, em duas partes mas dentro da mesma cidade, Lisboa. Benfica e Sporting. O país era pequeno demais para que o FC Porto, um grande à distância, se pudesse bater de igual para igual, sem campos atravessados por minas ou desnivelados pela métrica das conveniências.
E, ainda assim, fomos heroicos e algumas vezes vencedores, como logo em 34/35 com Joseph Szabo (na primeira edição da Liga) ou em 38/39 (a primeira Liga organizada pela FPF) e no bicampeonato de Siska que conseguimos, no ano seguinte. Ou em 55/56, após 16 anos de jejum a que Yustrich pôs término. Ou em 58/59, quando o clube de Calabote tudo fez para impedir as lágrimas de alegria que viriam a jorrar no campo do Torreense, entre toda a nação portista que Béla Guttmann comandava. E assim continuou, até José Maria Pedroto colocar um fim ao jejum de 19 anos e ao síndroma da ponte, aberta estava a Liberdade pelo 25 de Abril e a revolução que o presidente Pinto da Costa iniciava no futebol português. 5 títulos em 41 anos de ditadura, versus 24 títulos em 47 anos de democracia. O complexo da ponte, aquele que só conheci como um fantasma, morrera ali e morreria para sempre.
Se passar a ponte foi um complexo salazarento, atravessar a fronteira nunca foi penoso para o FC Porto
Assalta-me toda esta memória, à transparência, quando fazemos o que fizemos na passada quartafeira frente ao Atlético de Madrid, na abertura de um grupo onde muitos nos indicavam o caminho de saída antes de um pontapé dado na bola. Emudecemos as bancadas, enchemos o campo e só não ganhámos porque... porque. Se passar a ponte foi um complexo salazarento, atravessar a fronteira nunca foi penoso para o FC Porto. A forma competitiva e capaz como lidamos com colossos financeiros de paragens milionárias na Liga dos Campeões, ano após ano, com títulos internacionais e a cores à mistura, é uma fonte de orgulho e um sinal de que o grande cartaz português no futebol internacional de clubes se pintou e pinta, inquestionavelmente, a azul e branco.