“NO VOLEIBOL TEMOS TEMPO”
HUGO SILVA Selecionador, que hoje celebra 48 anos, explicou a O JOGO como Portugal cresceu tanto numa “modalidade muito” competitiva
Continua a dizer que tem mau feitio, mas, não extravasando as emoções, reconhece que lhe apetece chorar quando ouve o hino. Assim aconteceu no recente Europeu em que Portugal foi aos oitavos
RUI GUIMARÃES
Chegou segunda-feira a Portugal, vindo do Campeonato da Europa, prova em que conduziu a Seleção até aos oitavos de final, onde caiu – mas nunca antes chegara – com os Países Baixos, apenas no quinto set e por 15-13.
O que é que aconteceu com o voleibol português, que, de repente, se bate olhos nos olhos com qualquer adversário e lhes cria enormes dificuldades?
—Aconteceualgocomumimpacto diferente. Mas o voleibol, na última década, tem participado em grandes competições e, contrariamente às outras modalidades, todos os anos tem três a quatro meses de trabalho de seleções. Ou seja, não apenas aquilo que as outras têm: apuramentos, Europeus, Mundiais e, eventualmente, Jogos Olímpicos. Nós temos, todos os anos, uma competição ou duas e isso obriga os atletas a que, depois do trabalho com os clubes, estejam na seleção no mínimo três meses. Ou seja, isto não é uma coisa de agora, mas é também verdade que fez-se algo que nunca se fez...
E estiveram muito perto de fazer mais ainda...
—É verdade, fomos aos oitavos de final, onde nunca tínhamos chegado, e estivemos muito perto dos quartos de final. Foi por dois pontos que não o conseguimos. Além disso, foram jogos muito competitivos, a equipa esteve ao melhor nível, fruto de uma preparação de seis semanas.
Pode então concluir-se que este desempenho no Europeu é fruto de mais tempo de trabalho?
—Sem dúvida. Se olharmos para as outras modalidades, o campeonato pára, há ali uma, duas semanas no máximo onde os selecionadores podem trabalhar e depois vão à luta, quase a rezar para os atletas apareçam nas melhores condições possíveis. Ou seja, não há tempo para se preparar esses jogadores. No voleibol temos tempo.
E isso dá mais estofo aos atletas...
—Dá sim, mas é verdade que não somos os únicos, acontece com todas as seleções. Por isso é que o voleibol atingiu um nível competitivo impressionante.
Partindo desse ideia, é possível repetir esta façanha?
—Não é fácil, confesso que repetir isto não é nada fácil. Mas
“Se olharmos para o Europeu, podemos dizer que Portugal está entre as melhores equipas do Mundo. Não perdemos 3-0 com ninguém”
“Até de amigos meus ouvi coisas como: ‘Da Sérvia e da Polónia vais levar uma abada’. A verdade é que isso não aconteceu”
“Isso passa-nos pela cabeça, mas se há coisa que eu quero deixar é a melhor imagem de Portugal. É a regra número um”
o principal motivo para que fizemos foi o facto dos jogadores acreditarem.
Considera que o acreditar é um fator decisivo?
—Se não houvesse esse acreditar não teria sido possível fazer-se o que se fez. E esse acreditar foi aumentando à medida que a competição foi avançando.
Os atletas foram-se empolgando?
—Foram. A partir do momento em que se ganhou a uma Bélgica, que é terceira do ranking da CEV [Confederação Europeia de Voleibol] os atletas mudaram completamente o estado de espírito. Recordo que no jogo com a Sérvia eu pus quase uma equipa B e, mesmo assim, fizemos frente, metemos um set e podíamos ter metido um segundo. Isso prova que todos os jogadores foram acreditando, temos duas mãozinhas e dois pezinhos iguais aos outros. Quem faz acreditar os jogadores é o Hugo. E a si, quem lhe faz acreditar?
—O trabalho. Eu não acredito em milagres. A única forma de se chegar longe é fazer aquilo que os outros ainda não fizeram. Portanto, se os outros trabalham sete horas por dia, nós temos de trabalhar oito. Passam por eles conseguirem aguentar um treino de duas horas, passado duas semanas aguentarem de quatro horas e acabarem esse treino em condições de fazer mais uma hora. Isso é que dá a condição física, mas também mental para se jogar ao mais alto nível.