Jesus e os requisitos de um selecionador
Para além de raramente aparecerem reputados mestres da tática a triunfar nas seleções, será que um homem do treino é a melhor escolha para equipas que treinam 15 dias de dois em dois anos?
Jorge Jesus disse ontem no Fórum de Treinadores que não quer a Seleção… ainda, mas será que a Seleção deveria querê-lo? Como há o risco de termos este debate a sério numa questão de dias, talvez valha a pena refletir nos requisitos de um bom selecionador, a começar por algo que a história nos ensina: as seleções não são para Prémios Nobel da tática. São residuais os treinadores marcantes, a esse nível, que ganharam alguma coisa enquanto selecionadores. O comum é que os selecionadores campeões tenham pouca ou nenhuma expressão no futebol de clubes e fiquem longe de ser revolucionários no campo. Interessam pouco os rendilhados táticos a quem só tem quinze dias seguidos para os treinar de dois em dois anos. O selecionador precisa de saber simplificar. Um perfeccionista como Jesus, que ainda há um ano se queixava de não poder treinar por causa da pandemia e que tem, assumidamente, as suas mais-valias no treino, encaixa neste perfil? O rasgo que Fernando Santos teve, quando recebeu de Paulo Bento uma equipa afundada em confusões e a enfaixou com os renegados Ricardo Carvalho e Quaresma, Jesus também teria? A melhor qualidade de um selecionador é o bom senso. A melhor qualidade de um selecionador nesta seleção portuguesa é a capacidade para manter saudável um grupo de egos em expansão. No exemplo de Scolari, até é capaz de ter sido a única qualidade. Fernando
Santos junta-lhes outras. Sabia o que era ser selecionador, por exemplo, enquanto Jesus (ou qualquer das alternativas discutidas) só pode fazer uma ideia das especificidades desse trabalho. Santos também não trazia anticorpos que o pusessem na mira do clubismo, muito menos tinha contra si a mais dominante e assanhada dessas correntes (a do Benfica), e sabia pôr de lado qualquer vislumbre de egocentrismo nas conferências e na relação com a Imprensa. Com o tempo, tornou-se vítima da fama de ser o oposto de um Prémio Nobel da tática. Jesus tem a reputação e a convicção contrárias. Só não teria, como todos os selecionadores, aquilo de que ele gosta e que os críticos de Santos gostam de ignorar: tempo.