O Jogo

ZAIDU: ANTI-HERÓI ADOTADO PELO REINO MARAVIL HOSO

HISTÓRIA Da perna partida no primeiro treino ao golo do título, o lateral teve uma subida meteórica e sinuosa. Mirandela mudou tudo

- ANA LUÍSA MAGALHÃES

Nandinho, Lino e Diogo Boa Alma guiaram O JOGO pelo trajeto do nigeriano em Portugal. A humildade saltou à vista entre os vários desafios que ultrapasso­u até chorar ajoelhado na Luz.

Às 19h53 de 7 de maio de 2022, no “dia mais feliz” da sua vida, Zaidu Sanusi cumpriu o destino. O golo “mais importante da carreira” carimbou o título frente ao Benfica e foi o ponto mais alto de um trajeto tão vertiginos­o quanto sinuoso. A aventura em Portugal dificilmen­te poderia ter começado pior, mas a hospitalid­ade de Trás-osMontes recuperou o sorriso ao lateral-esquerdo, que tem na humildade a imagem de marca. É traço comum dos testemunho­s de três pessoas que se cruzaram com Zaidu antes de o FC Porto lhe bater à porta e que guiaram O JOGO por esta viagem ao passado do nigeriano.

Em 2016, Zaidu chegou ao Gil Vicente, clube com o qual esteve contratual­izado até 2018, mas sem nunca jogar, numa história contada por Nandinho. “Ele chegou com outro nigeriano, mas já vinha lesionado. Notei que não estava bem, falei com o departamen­to médico e parou. Quando regressou, partiu a perna no primeiro treino”, relata o antigo treinador dos gilistas. “Tinha boas informaçõe­s dele, mas acabei por não o ver jogar, nunca pude atestar a qualidade dele, se fez três ou quatro treinos foi muito”, completa Nandinho, que também recorda uma “adaptação difícil”. “O Zaidu nem inglês falava, só um dialeto nigeriano que era apenas compreendi­do pelo compatriot­a. Tinha de ser ele a passar as mensagens.” Ainda assim, Nandinho viu que Zaidu era “miúdo muito humilde”. “Sempre que me vê, vem falar comigo. Agora a comunicaçã­o é mais fácil [risos]”

Foram quase oito meses de recuperaçã­o com a época 2015/16 e parte da seguinte a ficar a branco. Mas nem a má sorte dura para sempre e uma simples coincidênc­ia pode muito bem ter sido decisiva para a carreira de Zaidu, conta Lino, antigo lateral-esquerdo que passou por Chaves, FC Porto, Espinho e Braga. “Além de vice-presidente do Mirandela, era representa­nte da marca desportiva que equipava o Gil Vicente e o presidente Fiúza falou-me de três miúdos que precisavam de rodar para jogar. Um deles era o Zaidu”, explica. O reino maravilhos­o, como Miguel Torga chamou a Trás-os-Montes, conquistou Sanusip aras empre.“Erau ma fase complicada, mas encontrou uma realidade diferente. As pessoas tratavam-no muito bem. Levaram-noa um restaurant­e onde ele podia pedir sempre o que quisesse, por exemplo”, lembra Lino. Sempre que tem tempo livre, Zaidu retorna à terra a que chama de casa. “Ainda ontem o vi, veio recuperar as forças. O Zaidu chegou a ter uma proposta do Felgueiras, mas esteve lá uns dias e pediu para voltar porque gostava muito de Mirandela. Apaixonou-se pela cidade e virou um autêntico transmonta­no ”, sublinha oamigo,di vertido aexplic arar eceção do novo herói dos dragões, que continua “o mesmo de sempre”, pouco falador e muito sorridente. “Os portistas brincam com ele, os benfiquist­as também lhe dão os parabéns, mas...bom, ainda bem que foi ele, pelo menos [risos]. Estão todos muito felizes por ele e a verdade é que já no tempo do Mirandela se notava a simpatia dele pelo FC Porto.”

Cada vez mais satisfeito em Portugal, Zaidu, hoje com 24 anos, acabou por se desvincula­r do Gil Vicente, mas o clube de Barcelos manteve-o no radar. “Reencontre­i-o no Mirandela como adversário na terceira divisão, a última do Gil antes de voltar à I Liga. Tentámos que regressass­e, mas já estava comprometi­do com o Santa Clara”, revelou Nandinho. Diogo Boa Alma, na altura diretor desportivo dos açorianos, viajara ao continente para comprovar as boas indicações que recebera. “Toda a gente gostava dele nos Açores, era muito brincalhão. O Zaidu dava-se muito bem com o Nené, porque tinham feito o mesmo percurso desde o Campeonato de Portugal, identifica­vam-se um com o outro. Eram vizinhos, almoçavam juntos e o Nené dava boleia porque o Zaidu ainda não conduzia”, contou Boa Alma, nada surpreendi­do com as imagens desconcert­antes do nigeriano a dar toques na bola enquanto a confusão rebenta ao lado dele: “Sempre foi muito tranquilo, além de bastante religioso. Nunca se meteu em confusões e atritos.”

“Foi o dia mais feliz da minha vida, o golo mais importante da minha carreira. Temos mais troféus para conquistar, desde logo a Taça”, afirmou Zaidu

“Chegou lesionado ao Gil Vicente. Recuperou e, no primeiro treino, partiu a perna. Nem inglês falava, só um dialeto nigeriano. Só o vi jogar como adversário” Nandinho Ex-treinador do Gil Vicente

“Virou um autêntico transmonta­no. Chegou a ir para o Felgueiras, mas pediu para voltar, porque gostava muito de Mirandela. Já se notava a simpatia pelo FC Porto” Lino Ex-vice-presidente do Mirandela

“No bom sentido, é um irresponsá­vel. Não acusa a pressão, para ele tanto faz jogar com o Vizela ou com o Liverpool” Diogo Boa Alma Ex-diretor desportivo do Santa Clara

 ?? ??
 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal