Luís Freitas Lobo
1Tem muitos anos de banco no futebol mais tático do mundo mas nesse caminho (onde entram 14 clubes em dez anos) nunca ganhou o carisma dos treinadores que parecem ir ganhar antes de jogar. Stefano Pioli. A sua competência é indiscutível mas, na montanha-russa dos resultados, esteve para ser demitido várias vezes nestas (longas) três épocas no banco do Milan. A conquista do “Scudetto” (que fugia à “casa milanista” há onze épocas) é, por isso, um título com valor superior a outros do passado. Roubou-o literalmente das botas dos jogadores do Inter de Simone Inzaghi que, na maior parte da época, pareceu sempre ter mais potência (equipa e mente) para decidir no final.
2Esta sensação poderia, porém, resultar duma avaliação errada. Vinha não só do valor das equipas/jogadores de cada onze, mas do tipo de futebol (entenda-se abordagem tático-mental competitiva) que ambos cultivaram. Vi sempre este Inter como uma equipa de futebol mais internacional. Crescida nesses jogos de Champions (ganhou, por
Manual para entender o título do Milan de Pioli
exemplo, em Liverpool) na maturidade com que olhava para o adversário forte e fintava-o coletivamente com a sua postura (ora de expectativa, ora de ataque continuado).
Se isso, porém, funciona no plano internacional, confunde a personalidade da equipa no plano nacional, onde a alternância de postura no jogo, leva, muitas vezes, a perder o seu controlo frente a adversários que embora menores já conhecem muito bem todas as “entranhas táticas” do jogo italiano. O último dérbi (jogado ainda na 24.ª jornada) que podia ter clivado uma distância pontual enorme/decisiva foi o exemplo perfeito disso, porque após amassar na primeira parte (1-0), optou por, na segunda, o gerir desde trás, gelando o jogo, para depois o matar em contra-ataque (perdeu 1-2).
Nesse dia, percebeu-se como o Milan de Pioli sabia esperar e jogar estes jogos com o veneno de expectativa de quem sabe cheirar (e provocar) o erro. Principal protagonista futebolisticamente venenoso: Giroud.
A invenção deste Milan campeão de Pioli teve uma ideia de jogo que (sem grande investimento) potenciou jogadores para níveis exibicionais muito acima das expectativas. Partindo da referência estrutural do 4x2x3x1, com início de construção a 3, fez de Theo Hernandez um ala de saída “por fora” (e criação de desequilíbrio a chegar à frente), dando ao onze uma capacidade de soltar-se rapidamente da pressão alta adversária ao seu início de construção baixa (onde despontou Kalulu, de lateral para central, ao lado de Tomori, de início reservas de Kjaer e Romagnoli).
No meio-campo, o duplo-pivô cresceu sem se sobrepor, com Bennacer a pautar primeiro o ritmo e Tonali a virar quase 8 posicionalmente, com o médio mais subido (não ofensivo), Kessié, colocado nessa zona essencialmente para fazer a primeira zona de pressão interior.
Neste ponto, está talvez a maior reinvenção em relação à época anterior onde tinha um clássico “10” desequilibrador, Çalhanoglu, que saiu para o rival Inter. Ao ganhar taticamente nessa zona do terreno, tendo um jogador de raça-pressão em vez de um de criação-remate, Pioli marcou diferença para Inzaghi na plano de confrontos nos jogos fechados (de segunda bola), típicos do campeonato italiano.
4No ataque, redimensionou Júnior Messias, vindo de ser a típica estrela de equipa pequena, o Crotone, deu confiança de jogo associativo a Saelemaekers e viu as explosões desde a faixa esquerda de Rafael Leão tornarem-se demolidoras para as defesas adversárias. Domou o ego de Ibrahimovic e deu a confiança finalizadora que Giroud precisava para não falhar nos momentos decisivos.
Assim, o “educador” Pioli criou o seu Milan campeão, inspirando jogadores que encararam a descrença inicial como ponto de partida para uma motivação em crescendo. Vencer jogos difíceis (que pareciam bloqueados) sem ansiedade. Exemplo disso, na reta final da conquista, a vitória na Lázio (virando a acabar de 1-0 para 1-2) suportando sempre a pressão emocional dos jogos.