O jogo da posse e do golo
1Pegando na dicotomia lançada por Fernando Santos antes deste ciclo, o resultado pode facilmente convencer todos que esta exibição consagra a tese do jogo do golo (que os pragmáticos defendem) para definir o futebol em detrimento do jogo da posse (que os estéticos idolatram). Pode ser, para quem entrar no estádio ao minuto 90 e olhar para o marcador eletrónico. Não é, certamente, para quem entrou desde o primeiro minuto e viu o jogo em termos de relação com a bola e associação de passes progressivos (pelos três corredores) que a seleção portuguesa ativou no seu processo de construção de jogadas de trás para a frente, viajando junta, em posse objetiva, até ao tal jogo do golo que mostrou como deve Ronaldo continuar intocável no onze com essa mera função especializada e decisiva de remate. Não lhe peçam mais nada. Esqueçam o pressionar (tirando um cheirinho no central que quiser sair por dentro). Ele tem de ser hoje o homem para um plano só: o do remate com instinto de oportunismo perfeito para perceber onde se colocar para o fazer. Dessa forma, só na primeira parte, fez dois golos de remate a encostar e falhou incrivelmente outros dois já feitos. Em suma: ele é a personificação do jogo do golo. O resto da equipa é a imagem do jogo da posse.
2Essa posse não é, porém, o argumento de superioridade moral estética de jogar. É, pelo contrário, a superioridade efetiva de pegar no jogo (com bola) e com... pragmatismo dominador. Para, nesta fase, atingir esse nível exibicional, é decisivo ter um nº 6 que saiba receber com radar ativado e de antenas táticas na cabeça rapidamente definir qual o corredor para fazer circular a bola dando à equipa a melhor opção de sair para o ataque. A este mero gesto chama-se transição ofensiva. E esse “6” é Rúben Neves. Neste desenho, a afirmação de William Carvalho a “8” (uma opção tático-posicional desde há muito assumida para ele por Santos) dá uma dimensão física ao nosso meio-campo sem perder nada de qualidade técnica (até acrescentando pela forma como Willam sabe ter... posse, e depois passe). Desmistifica a sua lentidão nessa posição porque em que em vez de ter de sair da pressão, como tinha de fazer jogando a “6”, passa a ter de queimar linhas em construção, como se lhe pede jogando a “8”. Com esta dupla complementar de saída e transporte (NevesWilliam), pode surgir um “10” feito a partir do outro “8”, que é Bruno Fernandes. Solta-se melhor, joga mais. Fazer esta distribuição de jogo em 4x3x3 frente a uma seleção taticamente tão consistente como a Suíça (mas desmontada na sua ligação entre peças de organização defensiva) mostrou o caminho ideal, de jogo e golo, para a seleção portuguesa.
Como o jogo do golo só existe como corolário de uma boa ideia de jogo quando antes existe a melhor expressão do jogo da posse