O Jogo

Vieira, Varandas e a “não-agressão”

- José Sá Reis Professor da Faculdade de Direito da U. Porto/Advogado

Não vi a entrevista que Luís Filipe Vieira deu na semana passada à CMTV, mas como qualquer pessoa não tive forma de não saber o essencial daquilo que disse. Não me interessam especialme­nte os muitos mimos que aparenteme­nte dirigiu aos atuais dirigentes do Benfica. A parte que me chamou a atenção foi aquela em que disse que celebrou com Frederico Varandas um “pacto de não agressão” com o intuito de nivelar por baixo os tetos salariais das modalidade­s, pacto que ambos os clubes terão cumprido. Há algumas semanas escrevi aqui sobre a coima que a Autoridade da Concorrênc­ia aplicou à Liga de Clubes e aos seus associados, por causa de um outro “pacto de não agressão” – no caso, o de não contratare­m jogadores que durante o período da pandemia rescindiss­em contrato com clubes rivais. Nesse texto, alertei para que (tanto quanto pode perceber um leitor de jornais medianamen­te atento ao fenómeno futebolíst­ico) há entre a generalida­de dos nossos clubes portuguese­s relações demasiado próximas, que sem dificuldad­e se podem considerar como proibidas pelas regras

Vieira resolveu fazer um favor ao regulador e confessar publicamen­te a celebração de um acordo a todos os títulos lícito e lesivo

da concorrênc­ia. Por isso mesmo disse que não me espantaria se em breve a AdC agisse sobre os clubes de forma bastante mais enérgica. Ao que parece, Vieira resolveu fazer um favor ao regulador e confessar publicamen­te a celebração de um acordo a todos os títulos lícito e lesivo da concorrênc­ia e dos direitos dos próprios atletas. Como explico sempre aos meus alunos na primeira aula de Direito da Concorrênc­ia, as empresas estão no mercado para competir, e não para serem amigas. E isto é assim precisamen­te porque quando colocam o cavalheiri­smo acima da concorrênc­ia estão quase sempre a lesar terceiros – no caso, os seus trabalhado­res e os consumidor­es do espetáculo que oferecem. Um pacto de não concorrênc­ia entre empresas, como é claramente o caso deste, é proibido e punido com coima que, em função dos factos e entidades envolvidas, pode ser bastante choruda. Das duas uma: ou Vieira não tinha consciênci­a da gravidade do que veio confessar na TV, ou achou que por estar fora do clube isto é um assunto que já não lhe diz respeito. Mas convém que saiba que os administra­dores das empresas envolvidas em acordos deste tipo podem eles próprios ser pessoalmen­te punidos. Já para não falar, como é claro, dos atletas que viram os seus salários rebaixados em resultado deste “pacto”. Eu sei bem o que faria se fosse a eles…

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