Como os tribunais venderam o jogo
Se Os Belenenses cederam à Codecity apenas uma licença para jogar nas ligas profissionais, então Aves e Leiria também podem comprar uma. Por que não?
Ahipótese, aventada esta semana, de Aves e Leiria poderem comprar as posições de Belenenses e Vilafranquense na II Liga talvez seja absurda, como disse Emanuel Medeiros na nossa edição de ontem, mas não é inverosímil. Pouca gente avaliou bem os pressupostos da sentença que permite ao Clube de Futebol Os Belenenses formar outra SAD, depois de ter despido a primeira de quase todas as ligações à casa-mãe. Falamos de graus de alucinação semelhantes. Imaginemos que John Textor comprava de facto ações do Benfica ou do FC Porto, pelos muitos milhões de euros necessários, e que os estatutos lhe permitiam não só chegar à maioria do capital como ter efetivo controlo da SAD (que podia ser uma sociedade anónima de futebol ou a Coca Cola, é igual). Alguém com clareza de espírito admitiria que Benfica ou FC Porto pudessem, simplesmente, ejetar a SAD controlada por Textor, impedi-lo de usar símbolos e nomes, e criar outra? O entendimento do tribunal, a respeito do Belenenses, não foi diferente daquele que Emanuel Medeiros (bem) acha absurdo: a Codecity limitou-se a comprar uma licença para jogar futebol profissional, e não aquilo que efetivamente comprou, ou seja, o futebol profissional do Os Belenenses. Por surrealista que pareça a possibilidade de Aves e Leiria pagarem para estar na II Liga, essa é apenas uma das caixas de Pandora abertas por uma decisão (ou por uma legislação, pronto) muito difícil de encaixar na vida real. Se Os Belenenses puderam vender uma licença para jogar na I Liga, porque é que Aves e Leiria não podem comprar uma para jogar na Segunda? O futebol que isso sugere não deixa de ser tenebroso, mas já cá está.*