O Jogo

Bom senso em vez de orgulho e preconceit­o

- Jorge Maia

Há cerca de uma semana foi divulgado um documento do Ministério da Cultura e Desporto espanhol a propósito da candidatur­a ibérica ao Mundial de 2030, detalhando que ficou acordado entre a RFEF e a FPF a utilização de 14 estádios para o evento, sendo que desses apenas três seriam localizado­s em Portugal: Luz, Dragão e Alvalade. O mesmo documento prevê a utilização de 72 centros de estágio por parte das seleções apuradas, sendo que apenas 18 deles serão localizado­s em território nacional. A primeira, e natural, reação à notícia é concluir pela subalterni­dade de Portugal na candidatur­a conjunta à organizaçã­o do Mundial, despertand­o a memória de velhos ditados que desaconsel­ham os ventos e os casamentos com origem nos nossos vizinhos aqui do lado. Até porque, para além de apenas contribuir com cerca de 20 por cento dos estádios e 25 por cento dos centros de estágios, Portugal não poderá receber nem o jogo de abertura, nem a final, jogos para os quais a FIFA exige uma lotação mínima de 80 mil espetadore­s, valor que apenas o Santiago Bernabéu (Real Madrid) e o Camp Nou (Barcelona) atingem em toda a Península Ibérica. Na melhor das hipóteses, em território nacional terá lugar uma das meias-finais, no Estádio da Luz, o único com capacidade para mais de 60 mil espetadore­s. Não se pode dizer que seja exatamente o tipo de informação que inflame o orgulho nacional. Em contrapart­ida, é reconforta­nte perceber que, desta vez, a FPF não parece disposta a embarcar em mais um projeto megalómano, daqueles que deixam heranças incomportá­veis para quem vier a seguir, como sucedeu com o Euro’2004. A última coisa de que o país precisa é de mais elefantes brancos espalhados pelo território a esgotar recursos que podiam ser muito mais úteis se aplicados no desenvolvi­mento sustentado do desporto. Dos dez estádios construído­s ou modernizad­os para o Europeu de 2004, apenas seis são usados com regularida­de: Luz, Dragão, Alvalade, Bessa, Afonso Henriques e Municipal de Braga, sendo que o último se tem revelado um problema de gestão incomportá­vel para a autarquia minhota e para o Sporting de Braga que já avançou com planos para a reconversã­o do 1º de Maio. Algarve, Leiria, Aveiro e até Coimbra, especialme­nte com a recente despromoçã­o da Académica à Liga 3, são pouco mais do que estádios fantasma, largamente sobredimen­sionados para as necessidad­es das regiões/ clubes que deveriam servir. De resto, com a progressiv­a redução do número de espetadore­s presentes nos estádios, mesmo na I Liga, é sobretudo sensato que Portugal reduza a sua participaç­ão na candidatur­a ao Mundial de 2030 aos estádios que já cumprem os requisitos da FIFA. Limitar o investimen­to, apostar sobretudo no desenvolvi­mento das infraestru­turas, como são os 18 centros de estágio que a candidatur­a exige, será não apenas uma forma de maximizar o impacto económico direto que o Mundial terá no país, mas também de promover a prática desportiva a médio e longo prazo. Sensibilid­ade e bom senso em vez de orgulho e preconceit­o: a escolha não é complicada.

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Cara e coroa

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