Carlos Flórido
O pai de todos os males
Odia de descanso de uma Volta a Portugal permite divagações e este ano acabei a pensar nas reações à entrevista de Tiago Machado a O JOGO e sobretudo no ponto, muito comentado, em que disse ter sido um prazer ser colega de equipa de Lance Armstrong. O corredor da Rádio PopularParedes-Boavista recebeu algumas críticas, teve também quem lhe gabasse a coragem de ser o único capaz de dizer algo assim, mas provavelmente só os colegas ciclistas o terão entendido. O “Pai de todos os males” – melhor alcunha que já li atribuída a Armstrong – errou ao entrar num esquema de dopagem organizada e a enorme mancha de vergonha que isso deixou cobriu todo o resto, que era bem mais do
Quem com ele [Armstrong] conviveu, como Machado, terá mesmo tido o prazer de lidar com um mito
que as sete Voltas a França ganhas e depois retiradas. O norte-americano deu passos mais avançados no aerodinamismo, revolucionou no estudo da cadência de pedalada, deixou ensinamentos sobre a colocação no pelotão, de forma a não cair nem furar, preparou táticas em função das debilidades dos adversários, inovou nos treinos e reconhecimentos de montanhas feitos ao cronómetro, foi o primeiro a dormir sempre em tendas que simulam a altitude, gerou aumentos nos salários dos corredores e tornou a modalidade mais global. Isto sem chegar ao mais importante, os contributos para a luta contra o cancro. Quando se fala em Lance Armstrong apenas se pensa em doping. Quem com ele conviveu, como Machado, terá mesmo tido o prazer de lidar com um mito. Não apenas do mal.