A hipocrisia debaixo da camisola
Ocaso da criança que assistiu a um jogo de futebol em tronco nu é interessante não propriamente pelos contornos do episódio em si, mas sobretudo pelo que desvenda sobre as condições em que hoje se vai ao futebol e já agora pelo tratamento mediático que mereceu.
O caso parece simples. É prática habitual de muitos clubes não permitirem que os visitantes enverguem adereços dos respetivos clubes quando assistem ao jogo na bancada da casa. Essa prática é regulamentarmente sustentada, nunca tendo sido (até este caso) posta em causa publicamente por ninguém, a começar por todas as entidades que agora rasgaram as vestes. O Famalicão limitou-se, por isso, a cumprir com essa determinação. Já o pai da criança, resolveu fazer um “statement” obrigando o seu filho a assistir ao jogo em tronco nu. Uma decisão sua e de mais ninguém, note-se.
Mais interessante, todavia, é discutirmos a razão pela qual, nos dias de hoje, os clubes sentem necessidade de impor este tipo de medidas. Sendo claro: ver um jogo de futebol ao lado de adeptos de outro clube não devia ser problema nenhum. Recordome que assisti à final da Taça que ganhamos em 2013 sentado numa bancada onde estava tudo misturado e não houve qualquer problema. Infelizmente, estamos a falar de uma exceção.
Infelizmente, há demasiadas pessoas que não se sabem comportar num recinto desportivo, sobretudo em jogos de futebol. Cabe por isso perguntar o que é que os clubes têm feito para combater esse fenómeno. Fazem pouco. Pelo contrário, muitos deles em vez de incentivarem uma atitude responsável, promovem nos seus meios de comunicação oficial intervenções extremadas e um discurso agressivo para com os rivais. Apoiam direta ou indiretamente grupos de adeptos useiros e vezeiros em comportamentos lamentáveis, desde o insulto até coisas bem mais graves. Os seus dirigentes não hesitam também eles em usar o mesmo tipo de discurso. E mesmo alguns órgãos de comunicação social promovem programas em que a agressividade verbal campeia, apenas em nome das audiências. Os mesmos órgãos que depois, derramando lágrimas de crocodilo, pegam num caso como este e o espremem até ao tutano, só porque, claro está, o adepto em causa era de um dos três clubes do costume. Porque se fosse dos outros, tudo caberia numa nota de rodapé.
Se calhar já paravam todos com a hipocrisia e refletiam seriamente sobre o tema.