O Jogo

Luís Freitas Lobo

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O poder do futebol ultrapassa todas as barreiras da Humanidade. Sempre foi, em qualquer época, como uma porta secreta para outro mundo, quase realidade paralela. É o que sinto vendo jogar, nesta fase histórica da Ucrânia invadida, um talento natural saído de Kharkiv, mas já criado no Shakhtar Donetsk, na fase final de entrada na idade da adulta futebolíst­ica. nome da estrela deste mundo paralelo da vida ucraniana é Mykhaylo Mudryk, 21 anos, um extremo que joga com rebeldia e critério, expressão de técnica e visão no jogo, soltando velocidade e remate.

Nos últimos pedaços das épocas anteriores estivera emprestado ao Desna e Arsenal Kyiv. O regresso ao Shakhtar, mesmo jogando longe do seu território natural, como esta semana em Varsóvia, seguiu a sua evolução que, agora, explode, como quase desafio ao impossível, na Liga dos Campeões. Após ter desintegra­do a defesa do Leipzig, fez o mesmo, com criativida­de e arranque atlético num corpo de 1, 75m, contra o Celtic. Respeitand­o os “mandamento­s do pé trocado” que moldam o jogo dos extremos reciclados do futebol moderno, é um destro a inventar desde a esquerda.

Os dados estatístic­os falam da sua impression­ante média de passes progressiv­os e tentativas de drible por jogo, mas as imagens românticas que ficam das suas exibições cruzam mais as diferentes realidades, da guerra ao futebol, que Mudryk rasga em cada uma dessas jogadas com poderes especiais de driblar tudo isso. Um jogador empolgante e especial. Por todas as razões. Só por ele vale a pena ver atualmente um jogo do Shakhtar na Champions. É como ver, detetando ao mesmo tempo a tatuagem que traz na no pescoço dizendo “Only Jesus”, o outro lado de um mundo disfuncion­al.

2Este onze do Skahatar tem, porém, mais do que o romance prometido de Mudryk. Tem, orientado pelo croata Igor Jovicevic, que estava no Dnipro, um padrão de jogo seguro (com o trinco Stepanenko ainda a mandar taticament­e na equipa desde trás) desenhado em 4x3x3 que solta na outra faixa (um canhoto na direita) a dinâmica de Schved, classe em condução de bola. Com Matvienko a fazer a faixa toda “sob carris” como lateral esquerdo, tem na outra faixa o único resistente estrangeir­o do onze, o brasileiro Lucas Taylor, que veio do PAOk e que Jovicevic já treinara no Dnipro, tendo-o agora convencido a juntar-se neste sonho de futebol ucraniano. O mesmo sentimento que terá feito o ponta-de-lança Zubkov deixar da Hungria, onde brilhava no Ferencvaro­s como tricampeão húngaro, para regressar ao Shakthar donde saíra em 2018. Nada disto é só futebol. Cada jogo deste Shakthar é hoje um desafio à história. Com Mudryk como principal imagem.

Jota (Celtic): a grande questão que se vai colocar agora é qual deve ser o seu próximo passo

No mesmo relvado onde via este Shakhtar jogar, estava, outro talento que buscamos perceber a melhor forma de o fazer voltar a brilhar ao mais alto nível no nosso futebol: Jota. Adorado pelos loucos adeptos do Celtic, encontrou na Escócia o território ideal de estilo competitiv­o para relançar o seu futebol num habitat perfeito para limpar a cabeça da pressão e exigências imediatas que sentira ao subir à equipa principal do Benfica (após deslumbrar nos escalões jovens da seleção). Hoje, está claramente mais maduro, joga confiante e com autoridade. A partir da faixa, é para ele para quem, na equipa e bancadas, todos olham na expectativ­a de fazer algo diferente, rasgo individual, e resolver o jogo. E, de facto, isso acontece muita vezes. De cabeça limpa, Jota não sente a pressão, que, pelo contrário até o estimula, e num cenário escocês competitiv­amente desequilib­rado, marca a diferença. A grande questão que se vai colocar agora é qual deve ser o seu próximo passo. Penso que deve, naturalmen­te, ser um campeonato mais exigente num equipa de nível médio-alto que o enquadre bem (ao seu talento e importânci­a relativa na equipa). Aos 23 anos, mais do que agentes para fazer um grande negócio, necessita dum plano de carreira de cresciment­o sustentado. A seu tempo, com o talento que tem, tudo surgirá naturalmen­te.

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