Um Mundial no inverno escancara a janela de janeiro
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O volume de despesas no mercado de transferências de inverno costuma rondar os 15 e os 20 por cento do total arrecadado durante a janela de verão. Nada de muito surpreendente. O período de transferências de janeiro, limitado em termos temporais a quatro semanas, serve essencialmente para resolver problemas imediatos e encontrar soluções rápidas e de curto prazo para lesões ou quebras de forma, muitas vezes decididas sob pressão de um último esforço para o assalto final aos lugares mais altos da classificação ou para evitar despromoções. Em contrapartida, os grandes investimentos ficam reservados para o verão, quando a paragem mais longa permite uma visão mais estratégica daquilo que se pretende a médio e longo prazo para a equipa. Pelo menos esta é a regra. Claro que todas as regras têm as suas exceções e o impacto disruptivo da realização do Mundial do Catar no inverno pode implicar algumas durante a próxima janela de transferências. Num ciclo competitivo normal, jogadores como o argentino Enzo Fernández do Benfica, o marroquino Azzedine Ounahi do Angers ou o croata Josko Gvardiol do Leipzig, para citar apenas três nomes, não teriam sido expostos ao apetite dos tubarões tão cedo na temporada e logo numa montra de dimensão planetária. Gigantes como Liverpool, Manchester United, Real Madrid, Barcelona, Chelsea e Manchester City não vão querer esperar pelo verão, correndo o risco de serem ultrapassados em cima da linha e podem muito bem transfigurar aquilo que costuma ser a janela de inverno, injetando qualquer coisa como 200 milhões de euros no mercado e dando início a um efeito de dominó que pode transformar janeiro próximo num dos meses mais movimentados de sempre. A confirmar ou desmentir já a seguir.
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A presença do Académico de Viseu na final four da Taça da Liga é uma espécie de tributo ao modelo encontrado este ano para competição, em virtude da realização do Mundial do Catar durante os meses de novembro e dezembro. A distribuição das equipas por oito grupos de quatro, em vez dos habituais quatro grupos de apenas três, onde tinham lugar garantido como cabeças de série os melhores classificados da edição anterior da I Liga, revelou-se, à falta de melhor palavra, mais democrática. Claro que a democracia é o melhor de todos os sistemas com exceção de todos os outros, mas aquilo que é bom em termos desportivos, nem sempre é o ideal em termos económicos. A Taça da Liga nunca fez um esforço muito grande para ser uma competição particularmente democrática. Na verdade, o formato da prova sempre beneficiou os grandes e, desde logo para os operadores televisivos, a hipótese de ganhar dois ou três clássicos concentrados numa final four disputada em janeiro sempre se apresentou como um produto particularmente apetecível. Ora, nem de propósito, se este ano o Mundial levou à alteração da competição para um modelo mais democrático, no próximo as alterações na Liga dos Campeões, que roubam quatro semanas ao calendário interno, levarão a uma nova alteração para um formato mais elitista. A prova passará a ser disputada exclusivamente pelos quatro melhores classificados da última edição da I Liga em formato de final four, o que deverá reduzir o lote de participantes ao quarteto de suspeitos do costume. No fundo, a formalização daquilo que sempre foi a intenção por detrás do desenho da prova. Uma espécie de “best of” do futebol português, possivelmente disputado no estrangeiro como cartaz promocional para a anunciada centralização dos direitos televisivos. Obviamente, faz sentido que se mostre o melhor que Portugal tem para oferecer a potenciais investidores e FC Porto, Benfica, Sporting e Braga terão certamente condições para proporcionar espetáculos disputados ao mais alto nível. Claro que, depois, olhamos para a edição de este ano e temos de perguntar se o melhor que o futebol português tem para oferecer não será a riqueza competitiva que permite aos pequenos baterem o pé aos grandes.