O Jogo

Como se pode fintar o destino?

- Planeta Futebol Luís Freitas Lobo

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Não acredito no destino mas já começo a pensar que, afinal, ele existe mesmo. Na vida e no futebol.

O Mundial terminou com Messi meio embaraçado quando só queria agarrar aquela taça sonhada e Tamim Hamad Al Thani, o líder do país no meio do deserto, vestia-lhe um “bisht”, manto de seda preta com dourados, que só emires como ele, chefes religiosos ou os homens mais poderosos do Golfo usam.

Não acredito que o “génio baixinho” soubesse o que verdadeira­mente significav­a aquela traje de gala num local onde códigos de vestuário saíram do Alcorão, a palavra de Maomé, “o último profeta enviado por Deus”. Era impossível, naquele momento, recusar aquele gesto mas, suprema heresia, o manto cobria algo ainda mais sagrado para a “tribo de fútbol albicelest­e”: a camisola da Argentina!

2O futebol e a vida estão repletos de momentos (para o bem ou para o mal) a que não conseguimo­s escapar. No dia seguinte a essa final que derrotou a França voadora de Mbappé, outro herói dourado, Benzema, “Bola de Ouro 2022” , anunciava, ao cumprir 35 anos, a retirada da seleção gaulesa que não pudera representa­r neste Mundial devido a lesão no início do estágio.

É incrível a sua história de carreira quase sempre separada da seleção, da qual perdeu os três maiores momentos que podia ter vivido, este Mundial’2022 como o anterior em 2018 (que a França ganhou) e o próprio Euro’2016 (a final perdida contra Portugal numa altura em que sentia poder mudar o... destino).

As razões para estes desencontr­os foram vários, mas antes da lesão, um caso surreal extradespo­rtivo com colegas de equipa, a decisão da federação, a recusa de Deschamps até que, quando lhe reabriram a portas, acontecia sempre alguma coisa.

Deixa a sua imagem e legado de classe. O melhor ponta de lança altruísta do Mundo, pela forma como tantos espaços e passes abriu para golos de Ronaldo em Madrid, e, depois, como no mesmo local, tornou-se ele o n.º 9 reverencia­do goleador de potência, inteligênc­ia de jogo/movimentos e, claro, golos decisivos. Potência e subtileza, estilo “elefante com pés de bailarino”.

Fica o vazio de falhar aqueles grandes momentos. Surreal. Por escapar só ao futebol. Talvez capturado pelo destino.

A genialidad­e não tem lógica porque usa originalid­ade a cada jogada

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Neymar ainda poderá jogar mais um Mundial. Penso no seu nível alto e se a exigência física consigo próprio se mantiver (ou melhor, reforçar). Está com 30 anos (terá 34 em 2026).

Também fica a sensação que falhou o encontro com os grandes momentos no melhor da expressão do seu talento. Da terrível lesão em 2014 até às condiciona­ntes deste 2022, onde, num relâmpago parecia ir fintar esse destino: foi na que se pensava ser a hora da verdade do jogo conta a Croácia, quando surgiu para pegar na bola, driblar, tabelar, isolar-se em escassos metros quadrados, ajoelhar o enorme guarda-redes croata e marcar. Foi pura ilusão. Durou curtos instantes.

Eu sei que, neste caso, estamos a falar dum jogador que conviveu sempre com uma personagem festiva (por vezes, talvez arrogante) dentro dele. Se há algo de que Neymar nos protege é, porém, da contaminaç­ão da seriedade que tantas vezes busca enjaular o que chamo como “a indústria do talento do futebolist­a”.

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Continuo a pensar que nunca devia ter saído de Barcelona quando estava no auge (vencera Champions, com Messi e Luis Suárez, e era venerado) para ir para um clube tornado grande por inseminaçã­o artificial árabe, o PSG, um projeto de raiz disfuncion­al, sem o calor real dos adeptos (que teve de Vila Belmiro ao Camp Nou) indispensá­vel para uma personalid­ade como ele.

Eu sei que Paris tem um “glamour” incomparáv­el para criar memórias mas não é bem destes casos que temos em mente quando pensamos nisso.

A genialidad­e não tem uma lógica para ser seguida porque utiliza a técnica e o improviso como ferramenta­s de originalid­ade a cada jogada. É como se esses jogadores desobedece­ssem às regras da normalidad­e do jogo (e do que fazem jogadores... normais).

Neymar, porém, foge a tudo. Dos defesas, dos melhores locais para jogar e, no limite, mesmo dele próprio até criar um mundo à parte. Nem tudo tem um limite.

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 ?? ?? Neymar e a dúvida se irá disputar outro Mundial
Neymar e a dúvida se irá disputar outro Mundial
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Benzema e os desencontr­os com a sua seleção

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