“Nápoles não é barata mas eu viveria com zero liras”
BAGNI Salernitana fintou o champanhe mas glória não fugirá. Uma desforra de Itália, uma vitória contra o norte, encerrando afrontas e dramas e tributando Maradona. A visão de um campeão de 1987
De uma festa adiada a um júbilo inevitável. Azzurri vão festejar um título pósMaradona. Turma de Diego em 1987 reclama o troféu. O JOGO ouviu Bagni, Bruscolotti, Romano, Giordano e Carnevale.
De 12 pontos no final da primeira volta para 18 a seis jornadas do final, Nápoles levita, o povo sustém o fôlego para uma das noites mais longas, mágicas e colossais da cidade – a Salernitana traiu idílica consagração em casa e agora o feito pode materializar-se sem ação no campo, bastando a Lázio falhar hoje na receção ao Sassuolo – numa marcação de ritmo de milhares de fervorosos adeptos, os mais devotos de Itália, que viveram anos épicos com Maradona durante a segunda metade dos 80’s, vendendo euforia em 1987 e 90.
Nesta longa travessia sem direito ao prato principal, o conjunto napolitano, bastião do sul do país, penou anos faminto do trono, mesmo tendo armado plantéis deslumbrantes com forte investimento do magnata De Laurentiis, onde se destacou a era de Hamsik, Cavani e Lavezzi ou de Koulibaly, Mertens e Insigne. Tudo se compõe, agora, para Nápoles extravasar a sua folia, domada anos a fio e, finalmente, enlouquecer. Do alto de uma invejável autoridade pontual, o título bate à porta de todos os napolitanos, as decorações multiplicam-se, o gáudio é diário, desembocando na imaginação de uma grande farra. Querem-se os novos campeões italianos a desfilar nas irresistíveis ruas, atalhos de histórias pejadas de identidade, capazes de impressionar tanto quanto a sumptuosa Sophia Loren nos seus papéis de fogosa napolitana. É, portanto, uma cidade em transe, a pressentir glória esmagadora, futebolística e social, um grito de ordem contra o norte, uma erupção de emoções tão viva e ativa quanto a lava furiosa do Vesúvio. E convidado para a festa está sempre Maradona, omnipresente e imortal, abençoando o sucesso argentino e napolitano como aconteceu com ele no campo em 1987 e 1990. Foi o Nápoles doquaseimpronunciávelKvaratskhelia, chamado de Kvaradona, dono de retratos pela cidade e bustos em janelas. E do goleador nigeriano Osimhen. Intratável...
Deuses maiores na sedutora cidade que tão bela cinematografia inspirou, feita de afetos e dialetos, de honras e memórias, pois quem tem sucesso em Nápoles é aceite como napolitano. Melhor ainda quando silencioso, sem ondas galáticas, expandindo charme por toda a Itália. Também provocações, enterram-se adereços dos principais rivais num cemitério.Em1987,omesmocemitério perto de San Paolo via gravada a mensagem “o que vocês perderam!”. Nápoles celebra com amor e humor, sacode astral, engata o modo festivo como se um casamento reunisse toda a cidade.
O JOGO conseguiu falar com vários campeões de 1987, a primeira obra de Maradona, viria asegundaem1990.Bagni,médio internacional italiano foi um grande aliado de Diego nessa conquista. Agarra a fita... com 36 anos.
“Lembro-me de Pairetto, o árbitro do jogo com a Fiorentina. Lembro a libertação, após uma temporada sempre na frente e o nosso acreditar que era mesmo possível depois da vitória sobre a Juventus. O campeonato pareceu nosso nesse instante, essa foi a consagração, o nosso domínio foi docampoparasbancadas.Ninguém esperava por isso!”, sustenta Bagni dissecando o contexto e o abrigo de um sentimento tão proeminente.
“Temos de entender a realidade de Nápoles, eu vou lá todas as semanas no meu trabalho e as pessoas falam comigo como se eu tivesse jogado no último fim de semana. Há um reconhecimento que só existe em Nápoles, vai das crianças, das selfies, às senhoras de 80 anos. A cidade vive em simbiose com a equipa, ainda ligada ao 10 de maio de 1987. Quando Diego chegou, ele deixou claro que venceríamos a Liga, mesmo que ninguém acreditasse. Como sempre ele estava certo!”, relata Bagni, já com aura de campeão.
“As comemorações já começaram, o campeonato está praticamente assegurado há dois meses. Basta ir ao Quartieri Spagnoli para entender a verdadeira alma da cidade. Há de tudo aí, bandeiras, cartoons e fotografias dos jogadores de 1986/87. Mas também já há tributoaosatuaiscraques,uma equipaextraordináriaqueconseguiu um dos maiores feitos do últimos 40 anos. Foi uma surpresa absoluta depois da revolução no plantel. Esta equipa não foi só forte do ponto de vista técnico, mas também forte no aspeto moral. Fizeram-seescolhasarriscadasmas correram bem”, curva-se o antigo médio, de 66 anos, do Nápoles de 1984 e 1988.
“Basta ir ao Quartieri Spagnoli e entender a alma da cidade. Há de tudo aí, celebra-se faz dois meses” Salvatore Bagni Ex-jogador do Nápoles
“Realidade espetacular”
“Nas outras cidades depois de dois dias acaba tudo, aqui um
feito é válido para toda a vida. Se as pessoas acharem que fizeste algo pela cidade, que honraste a camisola, não te esquecem. Passaram 36 anos desde que venci o primeiro scudetto e continuo a sentir palavras de amor. A cidade não é barata mas eu viveria com zero liras porque eles oferecem-tetudo:dormida,comida, um café. Trouxe os amigos a Nápoles para eles compreenderem esta essência. A realidade de Nápoles é espetacular. Amo os napolitanos”, elucida.
“Diego foi único, agradeço todos os dias o que nos deu, pelo carisma, pela qualidade do seu jogo e maior de todos os tempos, mas também por nos ter feito entender que poderíamos alcançar tantas coisas”, pontua, viajando aos nomes que fizeram disparar a fé: Kvaratskhelia e Osimhen. “Eu apostei com muitos napolitanos que o Nápoles gastou 50 M€ em quatro jogadores com os quais pode fazer muito mais de 100. Surpreendeu-me a personalidade da equipa, pois o Nápoles foi a todos os campos impor o seu jogo”, garante.