O Jogo

A GESTÃO: DE ALVALADE A BRAGA

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Otempo útil de jogo, ou a falta dele, é um dos problemas do nosso campeonato. A Liga tem apostado na sensibiliz­ação de clubes, jogadores e técnicos no sentido de evitar as paragens patéticas a que vamos assistindo. Umas mais outras menos, é certo, mas todas as equipas se socorrem deste expediente, com jogadores caídos e a queixarem-se ao mínimo sopro, apanha-bolas anestesiad­os, esperas desesperan­tes pela análise dos lances no VAR e, nesta nervosa aproximaçã­o ao final da temporada, a novidade de termos visto, no Benfica-Sporting de Braga, um treinador-adjunto esconder a bola no banco, para evitar uma rápida reposição.

Num país com falta de cultura desportiva – ao contrário do que alguns querem vender, basta assistir às ligas inglesa e alemã para perceber que não é assim em todo o lado – é preciso mais do que reuniões com supostos compromiss­os de erradicar este tipo de ações, que bem vistas as coisas encerram também uma total falta de respeito por quem paga para ver os jogos, no estádio ou pela TV. Quando vemos o valor da multa aplicada ao Benfica pelo comportame­nto de um elemento da equipa técnica é impossível não duvidar da falta de vontade de acabar com este tipo de expediente. Que Fernando Ferreira seja punido com um jogo de castigo, ainda se aceita, pagar uma multa de 1 530 euros é quase um prémio. Para provarem que estão realmente empenhados na mudança, os dirigentes devem rever o valor das penalizaçõ­es, tanto aos prevaricad­ores a título individual como aos clubes que dão ordem de adormecime­nto aos apanha-bolas quando dá jeito. Se nada fizerem, mostram, uma vez mais, que só estão preocupado­s em atingir os objetivos, seja lá como for, perdendo toda a legitimida­de para se queixarem quando se acham vítimas de alguma coisa, o que em Portugal acontece todas as semanas, porque parece que ninguém é derrotado por erros próprios.

As voltas que o mundo dá têm desígnios insondávei­s. Resgatado como símbolo da família histórica benfiquist­a, Carlos Manuel ocupa agora um lugar logo atrás do presidente Rui Costa, o mesmo menino a quem com 10 anos deu um fato de treino (arregaçou mangas e calças) antes dum jogo na velha Luz para ele parar de chorar por ter-se esquecido do seu em casa e poder ir para apanha-bolas. Foi para ele, velho Carlão, que, após o fim do jogo com o Braga, Rui Costa se virou e foi agarrado, quase paternalme­nte com festa na cabeça.

O futebol é este destino infinito. Além das relações humanas também brinca com as do relvado. Nessa época de apanha-bolas, 82/83, o campeonato também teve um Portimonen­se-Benfica nas últimas jornadas que podia decidir o título. Assim foi, com um golo do Carlos Manuel de fora da área em que Damas, na baliza algarvia, ainda tocou. Ironia dos tempos, as equipas voltam a encontrar-se agora na mesma fase e circunstân­cias. A fascinante diferença está no apanha-bolas que é presidente e no antigo craque que agora está, barba e cabelos brancos, sentado junto a ele.

O onze algarvio é diferente. O dos anos 80 jogava muito (com o Dario e Norton de Matos no ataque), treinado pelo Artur Jorge que depois iria para o Porto. Hoje, Paulo Sérgio tem um camaleão de futebol que muda quase todas as semanas, mete centrais a laterais, muda de três centrais para variantes da “linha de 4”, sobe laterais, solta médios (tiraram-lhe o melhor a meio da época, o Luquinha) e nunca se sabe onde pode jogar o Diaby (já o vimos a central ou a segundo avançado a ganhar bolas longas na alturas). Acredito, neste caso, talvez numa equipa mais corpulenta atrás, com o Pedrão a tentar acertar em todas as bolas e mandá-las para longe.

O Benfica já não tem o futebol revolucion­ário que Eriksson meteu nos anos 80, o fim do capitão Humberto Coelho. Não há Chalana, nem Nené.

O tempo é de potenciar o 4x4x2 com um extremo soneca que resolve jogos em jogadas, Neres. Após tanto tempo no módulo dos quatro médios em quadrado, Schmidt abriu o sistema às faixas e na fase decisiva da época deu novo impulso à equipa que ficara abananada com a pancada dada pelo FC Porto na Luz.

Pelo meio, mais um baixinho, João Neves, saído da formação, na fase decisiva em que a equipa precisava de coisas novas no seu jogo (com os mesmos 18 anos e efeitos que, noutras conquistas, deram Renato Sanches e João Félix, ao entrar na mesma altura). O futebol, afinal, tem sempre pontos comuns. Só muda a moldura. 2023 é muito diferente de 1983 e o apanhabola­s e o craque estão agora na bancada. Os jogadores mudaram mas a situação com que se deparam hoje, quarenta anos depois (quando nenhum deles era nascido) é quase a mesma. É a vida como a repetição duma jogada por trás da baliza. *

Seria interessan­te ver, comoouvies­tasemana,Rúben Amorim meter a equipa a jogar num laboratóri­o de experiênci­a do 4x4x2 e ver como reagia. Não era uma equação fácil de fazer nas escolhas. Quem sairia dos três centrais, qual seria o lateral-esquerdo e onde iria parar Nuno Santos. Tudo teria, claro, resposta mas fazer quando ainda existe possibilid­ade (ténue) de chegar a um lugar de Champions acarreta o risco da equipa sepoderper­dertaticam­enteno meio do jogo e isso ter consequênc­ias no resultado. Penso que tal é, claramente, mais um ensaio para se fazer na pré-época. Penso mesmo ser taticament­e obrigatóri­o na criação de alternativ­as necessária­s ao jogar leonino, por vezes algo cristaliza­do.

Destaseman­a,porém,omais importante foi ver Daniel Bragança de novo de pé. O seu futebol perfumado pode ser um reforço mais importante do que imaginam para o meiocampo (seja em que sistema for).

Ao mesmo tempo, o Braga, amassado na Luz, criou uma ilha aparenteme­nte segura no terceiro lugar. O próximo jogo será, em casa, para recomporse do impacto com a realidade que a diferença marcada no jogo contra o Benfica mostrou ser ainda muito maior do que o sonho. O tempo deles se unirem chegará. Esta época, resta tratar da porcelana gigante Al Musrati (ausência terrível na Luz) para reaparecer nas decisões finais.

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