Luís Freitas Lobo
Quando na última jornada, em Troyes, vi o PSG entrar em campo sem Messi e Neymar, parecia que estava a ver uma equipa dita normal com Ekitike, 20 anos, na frente ao lado de Mbappé, e Zaire-Emery, 17, a lateral direito. Sem dois seres superiores, Galtier montou um 3x5x2 (três médios e lá estava Vitinha) e, mesmo sem entusiasmo, funcionou sem a complexidade de juntar quem nunca defende e os que têm de ficar atrás a fechar. A equipa lidera com seis pontos de avanço mas não se deteta um sinal de alegria em lado nenhum, adeptos, jogadores ou dirigentes. Uma hipótese desmembrada contra o Bayern Munique na Champions, os dois jogos em que verdadeiramente começou e acabou a época do PSG. É surreal.
Este insucesso do PSG é, porém, positivo para quem acredita que, no futebol, fazer uma equipa e criar um plano para ganhar não é só questão de dinheiro e craques faraónicos. Mbappé pode erguer castelos com o que ficou a ganhar para permanecer, mas a sua evolução naquele habitat é quase nula. Joga com a sua natureza. Neymar perdeu hipóteses de ser Bola de Ouro e Messi anda quase a passo com olhar perdido um horizonte distante (que, receamos, seja mais dinheiro saudita). Teve, nos jogos da Liga francesa esta época, o contexto perfeito para treinar e preparar-se para o Mundial jogado em dezembro (a meio da época) onde surgiu com um estímulo competitivo brutal, na entrega à equipa e qualidade individual. Regressou a França e voltou a ficar à espera de quando a bola passasse perto. Nenhum treinador teve hipótese de, neste contexto, entrar com uma ideia de jogo.
A ameaça que o modelo-PSG possa estender-se até Inglaterra, num altura em que o Manchester United está à venda, é perigo suficiente para travarem este sequestro ao futebol. O PSG simboliza hoje tudo o que não pode ser o futebol e um clube. Basta ver, na mesma jornada, o jogo fantástico, de ambiente e competição, que foi o LensMarselha (segundo e terceiros) com adeptos e coração para perceber o “circo do homem-elefante” que foi montado do Catar até ao Parque dos Príncipes desaparecidos.
3O Marselha é, como lhe chamam há muito, “a cidade francesa do futebol”. Os duelos com o PSG ainda fazem faísca mas são mundos totalmente opostos em choque. Igor Tudor é um treinador temperamental, protótipo balcânico, mas o onze, em 3x4x2x1, tem dificuldade em controlar os jogos a meio-campo, onde se impõe a dupla RongierVeretout. Existiu algum “upgrade de intensidade” e estabilidade tática com Malinovski, mas não foi suficiente. Aposta na subida dos laterais (ClaussNuno Tavares) só que, na frente, Alexis Sanchez já não é o mesmo. Custa-lhe a mudar de velocidade e Under parece desconectado.
Vitinha está ainda em processo de adaptação. Não tem a mesma confiança e determinação a ir às bolas que lhe aparecem na frente como fazia no Braga. Não trinca a língua da mesma forma e as suas debilidades a nível de receção (disfarçadas em Braga) ficam mais evidentes neste contexto de jogo. Tem, obrigatoriamente, de melhorar nesse aspeto técnico: receção.
4OLens tem um estádio, o Felix-Bolaert, com mais lugares do que habitantes da cidade e mesmo assim quase que o enche em todos os jogos. Em campo, Franck Haise, também aposta num 3x4x2x1 impulsionado por um potente médio que não percebo não joga num verdadeiro grande clube europeu: o marfinense Fofana, nº8 de força e técnica, condução e remate, aposta aos 17 anos da formação do Manchester City que acabou por largálo nas épocas de idade adulta, onde tem passado por Udinese e Lens, sempre numa rotação impressionante. Está agora com 28 anos.
No ataque, estende o aroma sedutor africano ao ponta-de-lança Openda, 23, belga de descendência congolesa e marroquina, com astúcia de marcação e frieza de finalização sem ser possante. Joga nos espaços abertos e é a base do que fez o suporte e sucesso da verdadeira Liga francesa: detetar e lançar talentos, muitos deles africanos de segundas e terceiras gerações emigrantes e lançá-los no grande futebol.
“Os olhares vazios do PSG e as emoções de Lens e Marselha”