Verdade desportiva de trazer por casa
Como desconfiava, há esperança para o futebol português, desde que as paredes que o sustentam sejam forradas com material que isole o ruído. Os treinadores inserem-se no grupo de pessoas que merecem ser ouvidas quando se pronunciam sobre problemas estruturais e desmistificam realidades criadas em laboratório que o comentário tóxico trata de transformar em verdades absolutas aos olhos do adepto mais incauto. É melhor ouvir César Peixoto falar sobre verdade desportiva do que um qualquer dirigente, sabendo-se que quase todos os clubes aprovaram a realização de jogos em horários coincidentes, em função dos objetivos em aberto, apenas na última jornada. Por onde andavam os cruzados da verdade desportiva quando estes regulamentos foram aprovados? O treinador do Paços de Ferreira, despromovido à II Liga sextafeira com aquele golo do Marítimo ao Vizela, classificou ontem como “falta de respeito” ter de jogar com o destino já traçado, quando poderia, se os regulamentos assim determinassem, defrontar o Rio Ave à mesma hora do Marítimo-Vizela e do Santa Clara-Portimonense. “A verdade desportiva também fica em causa”, apontou César Peixoto. Tem razão. E faz bem em ter opinião. Acredito que o técnico saiba que isso só acontece porque os clubes querem que seja assim. Ou pelo menos queriam, até ao momento em que alteraram o regulamento de competições. Pela forma como andam sempre com a verdade desportiva na ponta da língua quando as coisas lhes correm mal, é possível que os dirigentes tenham todos mudado de ideias ao mesmo tempo, iluminados por um raio excelso de Sol.
Convém que os dirigentes percebam que os erros dos árbitros, tantas vezes pressionados, dos treinadores, tantas vezes despedidos, dos jogadores, tantas vezes criticados, e dos adeptos, no tema em apreço, absolutamente desprezados, são contingências inerentes à condição humana. Por mais que tentem, para justificar erros próprios, a existência de verdade desportiva ou a falta dela não é aplicável, salvo raríssimas exceções, quando há lapsos destes protagonistas. O mesmo não se verífica quando, por larguíssima maioria e às vezes por unanimidade, sentados numa sala de reuniões ratificam um artigo ou uma alínea que afeta a integridade da competição. Portanto, da próxima vez, quando surgir a tentação de agitar a bandeira da verdade desportiva, assumam as culpas, cruzem os braços e dobrem a língua.
Por onde andavam os cruzados da verdade desportiva quando estes regulamentos foram aprovados?