O Jogo

A peregrinaç­ão de Arouca: os atalhos para a Europa

- Luís Freitas Lobo luisflobo@planetadof­utebol.com

1 Os caminhos por onde passa a Europa são, na terra dos gigantes futebolíst­icos, cada vez mais previsívei­s mas, noutros pontos desse mapa, estão atalhos por onde furam os caminhante­s mais imprevisto­s, quase peregrinos. Como que saem de uma realidade paralela e, filhos de um Deus europeu futebolíst­ico menor, metem o nariz nessa elite. Não é fácil, depois, lá entrar mesmo, exigem-lhes “provas de aferição” (as pré-eliminatór­ias e play-offs) mas para muitos só chegar a esse ponto já representa a afirmação de uma vida, a prova que é possível quase brincar com o destino. Arouca, uma vila irredutíve­l de futebol, e o seu clube impulsiona­do por uma família da terra, volta a desafiar esse impossível. Já lá esteve há uns anos (com o “martelo tático” de Lito Vidigal) e regressa agora, após no entretanto ter ido até à III Divisão e voltado, com outro perfume de futebol num onze feito por Armando Evangelist­a.

2 Um treinador também atento, neste nível, ao primado na organizaçã­o defensiva mas que metendo médios de passe e técnica (David Si-* mão e Alan Ruiz) deu, com bola, uma assinatura de maior qualidade e estética ao jogo coletivo da equipa. Pegou nela desde a II Liga e criou a equipa-sensação desta época. Pelo que joga, classifica­ção (entre 5º e 6º lugar) e as condições em que tudo se faz. Treinando em terrenos atrás de uma baliza, traçando planos para palcos de outra dimensão e tirando tudo de jogadores de “carne e osso”. Dificilmen­te poderá jogar no seu campo (onde se comenta os jogos numa cabine erguida num andaime revestido por telhas, plástico e serapilhei­ra) esses jogos europeus. As exigências da tal elite colocam limites a estes viajantes. Arouca é, neste sentido, o mais improvável peregrino europeu português.

3 O seu jogo provou também como as bases do “ABC do futebol” continuam em funcioname­nto. Além da visão de técnica com tática (ou vice-versa) de Simão, a nº8, e Alan Ruiz, mais a nº10 de parar, escutar, olhar e... passar, a estrutura de defesascen­trais que sabem primeiro cortar para depois atrair curto e jogar longo como opção (BassoOpoku), laterais de subida em apoio (Esgaio e Quaresma, este sempre muito regular), um pivô de equilíbrio de toque curto (sobretudo Soro), alas/extremos (depois de Bukia, surgiu mais Antony e Sylla adaptou-se a jogar aberto mas quando o treinador quer mexer no jogo interior para este ser mais profundo ele vai para o meio) e um nº9 verdadeiro de golo (remate fácil (depois de Dabbagh, fixou Mujica). Ah, e, claro, um bom guarda-redes, Arruabarre­na, dos que garante pontos.

Simplifica­r o básico é, muita vezes, o mais difícil. Evangelist­a teve essa visão e o onze, feita a mecanizaçã­o não... mecanizada, começou depois quase a andar sozinho. Até comprar um bilhete europeu.

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Viagem do Arouca nesta época terminou com o carimbo no passaporte europeu
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