O eterno sentimento dos números de um a onze
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Sou, confesso, um nostálgico da velha numeração de um a onze das equipas. Um tempo em que era impensável ver entrar em campo alguém com números como 54 ou 97. O futebol respeitava códigos e estatutos através dos números nas camisolas. Os novos tempos mudaram todas essas referências e americanizou o futebol pelo marketing das camisolas, desde números até equipamentos que amarfanham a história dos clubes.
O dinheiro convive bem com tudo isso. Até cresce. A ressonância mítica de alguns números resistiram, porém, a esse assalto do negócio e continuam a definir a importância do jogador. Até os mais novos o sabem. O nº10 é o maior exemplo desse mítico tempo passado no presente. Até pode ter deixado de existir o perfil desse jogador no jogo moderno, mas entrar com esse número na camisola é, sem mais, reconhecimento de um ser superior em campo.
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Um dos momentos onde ainda se nota o reconhecimento desta importância histórica é quando algum craque acaba a carreira ou desaparece e o clube (com o qual ele se confun-* de) sugere, em homenagem, retirar o seu número das equipas futuras. Nesse ponto, pode ir a qualquer número. Recordo, até hoje o nº5 de Baresi no Milan. Apesar da força do simbolismo, tenho dificuldade em partilhar esta forma de homenagem eterna. Emocionalmente, no momento, até a posso partilhar, mas, racionalmente, não faz sentido (a história e vida não param). Sendo assim, quantos números já não teriam desaparecido de tantas clubes?
Penso nisto vendo que o Benfica não tinha voltado a entregar o nº10 após a morte do fantástico Chalana, e que agora, diziam as primeira páginas, estaria à espera do reforço turco Kokçu (dado por outro nº10 lendário, o hoje presidente Rui Costa). Posto nestes termos, metendo na mesma frase, em paralelo com o nº10, os nomes de Kokçu e Chalana, é perturbante pensar nesta situação, mas o poder do futebol é maior.
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A força da ligação do jogador ao número e sua dimensão, o clube irá permanecer acima de tudo. A memória precisa muitas vezes de estímulos, mas jogadores destes nunca cairão no esquecimento seja qual for outro jogador (por heresia histórica) que use esse número. Mas, mesmo com a atual numeração estrambólica, o número continua como forma de identificar o tipo de jogador. Assim basta falar num “8” ou num “6” e todos logo visualizamos o local e respetivo estilo que tem em campo.
Por isso, mais do que eternizar números como homenagem, sinto maior perturbação de ver as equipas do futebol atual (dito moderno) sem respeitar as origens e o jogo. É como vender símbolos e banalizar a história. Estou consciente que esta é mais uma minha opinião “quixotesca” e sentimental mas não consigo ver, impassível, o futebol crescente a transformar as nossas raízes num negócio.