O Jogo

2003-2023: até onde podemos parar o tempo que voa?

- Luís Freitas Lobo luisflobo@planetadof­utebol.com

1 Um dia, tudo acaba. O defeso não são só transferên­cias. Na sombra, também estão os que sentem que chegou a hora de terminar. Uma carreira passa depressa. Vejo Ronaldo receber o quadro de homenagem dos 200 jogos e impression­a-me perceber que já passaram vinte anos desde que estava em Chaves na tribuna daquele jogo contra o Cazaquistã­o e o então miúdo génioprome­ssa entrou. Agora, estava a comentar o Islândia-Portugal e pensei para mim: “2003? mas isso... foi ontem”. Nada disso. De repente, eu já tinha 55 e o Cristiano 38. O tempo voa. Só por isso, fiz logo mentalment­e uma vénia a Ronaldo. Não pelo que jogou, bem ou mal. Isso já pouco me importava neste jogo.

2 E assim segui os 90 minutos. Não me desiludiu quando já não teve tempo de reação àquela bola que o apanhou isolado na área (anos atrás nem daria para o defesa pestanejar e o remate já saíra disparado para a baliza) mas demorou a arrancar e o tal defesa surgiu para o corte e forçou um remate torto para fora.

Nem me empolgou no último minuto (porque Martínez nem ousa tirá-lo), ao estar no sítio certo e encostar para o golo que festejou como o primeiro. Arrisco dizer mais do que o primeiro, até porque este teve tempo de espera. Um “pause” antes do “play”. O tempo em que o VAR revia a jogada e Ronaldo esperava, especado junto ao árbitro, perguntand­olhe de olhar ansioso, esbugalhad­o, “gol? gol?”, até que chegou a confirmaçã­o e saiu a correr disparado a festejar.

A vénia, dizia, já fizera quando o ouvi no dia anterior afirmar que ia continuar: “Nunca darei o meu lugar grátis”.

Estes jogadores são feitos de outra casta. Porque em condições normais ele já estava a duvidar de si próprio.

3 Lembro Tévez, quando após ir acabar na China, sentiu um vazio e hesitou quando o Boca o quis de volta. Não sabia o que fazer: “Um dia levanto-me e digo volto. Outro dia, levanto-me e penso... não, nem louco. Está assim a minha cabeça”.

Na altura, Ruggeri, central da Argentina’86, que jogou até aos 37, confessava em estúdio que decidira parar quando já lhe custava ir aos treinos. Ia a conduzir para mais um e parou o carro na berma. Não lhe apetecia chegar. Até que quando chegou mesmo disse ao treinador, que também não o ousaria tirar porque era um campeão do Mundo, que “no domingo meta o ‘pibe’ de início e eu entro a dez minutos do fim e acabou-se”. Assim foi. Ao passar do tempo, só cada um sabe o que sente. Se eu na minha atividade tantas vezes me questiono, imagino um futebolist­a confrontad­o com esse monstro. Nem Ibrahimovi­c, o maior de todos a lidar com o tempo, resistiu e parou, aos 41 anos. Saiu, porém, num discurso emocionado mas em que acabou domando doutra forma o tempo: “Abandono mas voltaremos a ver-nos por aí...” . Fez uma pausa e rematou: “Se vocês tiverem sorte”. Grande!

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Vinte anos de Cristiano Ronaldo, da estreia em Chaves ao golo decisivo em Reiquiaviq­ue
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