Salvador, BSports e a credibilidade do jornalismo
Já não sei o que pensar. A reportagem da TVI sobre o eventual envolvimento do ex-presidente da Mesa da Assembleia-Geral da LPF num processo crime de tráfico de pessoas faz insinuações e lança suspeitas sobre uma relação entre o ex-dirigente e o presidente do SC Braga. Até aí, nada de muito novo. O estranho é que, de acordo com o comunicado do SC Braga, Salvador havia esclarecido a TVI, previamente à produção da peça jornalística, que não havia qualquer relação, direta ou indireta, entre ele e a Academia BSports (de acordo com as notícias, é o centro da prática dos crimes investigados). Ora, o autor da reportagem omitiu (intencionalmente?) os esclarecimentos prévios de António Salvador, construindo uma narrativa de uma relação (inventada) entre ele e a BSports de Mário Costa. Por que o terá feito? Adeptos bracarenses de pendor conspiracionista argumentam que é o facto de o SC Braga estar a fazer frente aos 3 tradicionais “grandes” que faz com que estes lancem mão destes meios para enfraquecer e denegrir a imagem do clube. Eu, que não sou desses, penso que a situação é mais grave: revela a gradual e acentuada perda de qualidade (e credibilidade) do jornalismo. Sabemos todos que a “verdade jornalística” não tem a mesma densidade ou exigência da “verdade judiciária”. Esta tem que ser alicerçada em provas, julgamentos, contraditórios, mais provas, mais recursos, etc., por forma a que o juiz forme a sua opinião “para além de qualquer dúvida”. Mandar alguém para a cadeia exige uma certeza probatória exigente e fortemente convincente. Já a “verdade jornalística” não exige tanta densidade probatória. O jornalista conta histórias que sejam verosímeis, sendo que a verosimilhança tem, ainda assim, a exigência de relação com a verdade dos factos. O jornalismo clássico, o de Bob Woodward e Carl Bernstein (revelaram o caso Watergate e as suas provas materiais), ou mesmo o jornalismo literário, de Truman Capote, tinham a preocupação da verdade, pelo menos, da verosimilhança. O jornalismo atual tem vindo a perder, salvo algumas exceções, esta noção de verosimilhança. Interessa mais, hoje, ao jornalista de investigação, contar uma história impactante, polémica e, de preferência, com gente famosa à mistura, do que uma narrar uma história verdadeira ou verosímil. Por isso, terá interessado ao jornalista da TVI omitir os esclarecimentos de Salvador e contar a história à sua maneira, ou seja, mais impactante e polémica, ainda que sem relação com a verdade ou, pelo menos, com o contraditório feito.