O Jogo

Comboios e aviões

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Ao célebre “anda comigo ver os aviões” de Miguel Araújo, pedaço de letra que já não se lê sem trautear a melodia, Sérgio Conceição chamou o filho mais novo, olhou para céu e leu o que vai na alma da esmagadora maioria dos portistas. A vontade dos sócios e adeptos do FC Porto, se traduzida em urna, seria hoje esmagadora. Ninguém concebe que o nosso treinador deixe de cumprir o seu percurso histórico bicolor na Liga, vencendo-a em anos alternados. De charuto em riste e braços ao alto, Sérgio solta corações azuis e brancos em pleno Allgarve e em bom português: “Oh Conceição faz do Porto campeão”, frase única puxada a vento da avioneta. À alegria de ver um dos nossos como um de nós, soma-se o particular, genuíno e afetivo “tenho de mandar isto ao Presidente”. Se dúvidas houvesse.

A ideia de que os comboios não passam duas vezes é o tormento de muitos clubes com jogadores ou técnicos com contrato e cláusulas de rescisão. No denominado futebol moderno, não há outra realidade senão esta e serve-se como espada pronta a cortar a direito, até tendo em conta que, boa parte das vezes, as cláusulas estão reféns das negociaçõe­s salariais. Em mais uma semana em que vários clubes foram apontados a Conceição, fica a certeza de que há comboios onde o treinador do FC Porto não quer entrar. Um treinador da sua estirpe precisa de competir, precisa de garantir que ganhar é possível, que ir mais longe é um desígnio. Tanto o Al Hilal da Arábia Saudita, como outras paragens apontadas, não permitem que a equação dinheiro/felicidade seja minimament­e equilibrad­a. Mas pior ainda é a visão de um treinador condiciona­ndo a sua própria ambição. Direto à não relevância. Esperemos que nunca falte proteína, mas ainda poderemos ver nascer o dia em que a seleção portuguesa chame Conceição para fazer omeletes sem ovos. A velhice pode esperar.

O facto de Sérgio querer cumprir contrato, encontrase umbilicalm­ente ligado ao fim deste mandato do Presidente. Ninguém compreende­ria que não fizesse com Pinto da Costa os meses do caminho que culminarão na apresentaç­ão da candidatur­a a novo mandato. Se algum dia Sérgio Conceição entrar - com toda a legimidade - noutro comboio, que nos deixe Vítor Bruno no apeadeiro. Entretanto e até lá, pode e deve ser um fator de união e reserva indesmentí­vel de ADN, mesmo de férias na costa algarvia. Mais longe das estações centrais, mas sempre perto da casa das máquinas.

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