Aposta saudita deixará marca
Éprematuro avaliar o impacto desta aposta súbita e massiva da Arábia Saudita no futebol. Há quem defenda que o grande êxodo de jogadores ainda está para acontecer, porque, até agora, quase todos têm como destino os maiores clubes do país. Prevê-se que os restantes façam o mesmo, embora direcionando as propostas a uma base de recrutamento mais barata, mas importante para nivelar a liga dos petrodólares. Nesse sentido, é bem possível que os clubes portugueses fiquem mais expostos. Apesar do conforto que potenciais transferências podem emprestar às contas, provavelmente, nem tudo será positivo.
Desde logo, a tentação, legítima, de manter os jogadores, o que coloca as administrações dos clubes que competem nas provas europeias perante um dilema. Se deixarem partir os melhores, realizarão mais-valias financeiras interessantes, mas tornar-se-ão menos competitivos. O contrário também poderá ser perigoso, uma vez que terá tudo para conduzir a um aumento considerável da massa salarial, porque não é possível manter um jogador satisfeito quando é impedido de sair para onde poderá ganhar três ou quatro vezes mais.
No meio de todas estas movimentações, lucram os jogadores. Numa profissão de curta duração, uns 15 anos ao mais alto nível, ninguém pode apontar o dedo aos futebolistas. Há partidas na nossa Liga 3 mais interessantes e mais bem jogadas do que no campeonato saudita, e nesse sentido trata-se de um passo atrás na carreira, mas a vertente financeira confere uma rápida estabilidade a profissionais que, na esmagadora maioria, têm dificuldades em manter o nível de vida após o final da carreira. Parece-me que, a médio prazo, os clubes, não obstante os milhões que poderão encaixar, serão os principais prejudicados por este epifenómeno que ameaça a ordem natural do futebol. Continuo a achar que não será de longa duração, porque não é estruturado na paixão dos adeptos. No entanto, ao contrário do que aconteceu no caso chinês, se desaparecer de uma hora para a outra deixará marca visível, pelo menos no crescimento desmesurado
Há partidas na nossa Liga 3 mais interessantes e mais bem jogadas do que no campeonato saudita
das verbas envolvidas em transferências e salários. Por agora, as consequências são outras: vamos todos (mea culpa) dissertando sobre o futebol emergente da Arábia Saudita, quando seria mais importante alertar para o facto de o regime, que financia tudo isto, não respeitar os direitos humanos.