A romaria das arábias
Omilionário John Textor, dono de vários clubes na Europa e nas Américas, queixou-se que os sauditas andam a comprar tudo, a propósito da ida de Luís Castro para o Al Nassr deixando o Botafogo na frente do Brasileirão com uma vantagem de sete pontos. É o esplendor do ecossistema do futebol: um predador de topo na cadeia alimentar devorado por um maior, um sheik.
A atividade predatória dos árabes aumentou depois de Giovanni Infantino ter falhado reduzir para bienal o Campeonato do Mundo – o filão audiovisual mais rentável que existe, mas com uma extracção demasiado longa para o apetite cada vez mais voraz da FIFA e do seu presidente reeleito.
Infantino vendeu a ideia com afinco de caixeiro viajante e promessas de bodos financeiros para as federações periféricas, diminuindo assim o fosso entre ricos e pobres – disse até que um Mundial de dois em dois anos ajudaria a travar a migração de africanos para a Europa, além de tornar o jogo mais atractivo.
O projecto estava nas mãos do consultor Arsène Wenger, enquanto embaixadores como Ronaldo Nazário e Kaká seduziam a América do Sul e a Europa para a causa. A cartada falhou por falta de espaço para acomodar o Europeu e a Copa
América, mas sobretudo falhou porque a carne do lucro ficaria nas federações e as aparas nos clubes.
Foi para compensar este patronato que Infantino criou o Mundial de Clubes. Florentino Pérez justificava a gorada Superliga com o exemplo do ténis: Nadal e Djokovic jogaram entre si 59 vezes em 20 anos, enquanto Liverpool e Real Madrid jogaram 10 em igual período. É a tese do clímax permapelo
nente. Forjar mais Liverpool-Real Madrid aumentaria a rentabilidade a curto prazo, mas, sem jogos intermédios para repousar a emoção, tornar-se-iam encontros rotineiros. Era como decretar o Natal duas vezes ao ano para agradar à indústria de brinquedos.
É ames ma gente que não percebe que o Mundial não é um torneio mas um concílio, eéaes pera de quatro anos que torna o acontecimento especial, mesmo que passe de 36 a 42 selecções em 2026 (decidido na cimeira do Ruanda que reelegeu Infantino), talvez para aumentar as chances da China se qualificar, um mercado importante.
A FIFA está mais sôfrega desde que os sheiks entraram no negócio. Às estrelas em fim de ciclo somam-se jogadores novos – Koulibaly, Rúben Neves, Jota. Julgam que a liga saudita será uma série da Disney que toda a gente quer ver
brilho do cartaz. Mas os europeus e os sul-americanos estão-se nas tintas porque seguem ligas com raízes, mesmo sangradas dos melhores jogadores, e sobretudo seguem os clubes dos pais e dos avós.
São adeptos que invectivam o treinador que os troca por um prato dourado de lentilhas e enquanto renovam a devoção ao clube. Aconteceu no Botafogo, à hora em que o sheik comia o tubarão do Textor. Como censurar Luís Castro por trocar a chance histórica de ser campeão no Brasil pelo contrato duma vida? Ficando, arriscava-se a ser apanhado pelos favoritos na segunda volta e seria burro ou herói. Assim, jogou pelo seguro.
O sheiks julgam que a liga saudita será uma série da Disney que toda a gente quer ver pelo brilho do cartaz. Mas os europeus e sul-americanos estão-se nas tintas