O Jogo

A romaria das arábias

- Carlos Tê

Omilionári­o John Textor, dono de vários clubes na Europa e nas Américas, queixou-se que os sauditas andam a comprar tudo, a propósito da ida de Luís Castro para o Al Nassr deixando o Botafogo na frente do Brasileirã­o com uma vantagem de sete pontos. É o esplendor do ecossistem­a do futebol: um predador de topo na cadeia alimentar devorado por um maior, um sheik.

A atividade predatória dos árabes aumentou depois de Giovanni Infantino ter falhado reduzir para bienal o Campeonato do Mundo – o filão audiovisua­l mais rentável que existe, mas com uma extracção demasiado longa para o apetite cada vez mais voraz da FIFA e do seu presidente reeleito.

Infantino vendeu a ideia com afinco de caixeiro viajante e promessas de bodos financeiro­s para as federações periférica­s, diminuindo assim o fosso entre ricos e pobres – disse até que um Mundial de dois em dois anos ajudaria a travar a migração de africanos para a Europa, além de tornar o jogo mais atractivo.

O projecto estava nas mãos do consultor Arsène Wenger, enquanto embaixador­es como Ronaldo Nazário e Kaká seduziam a América do Sul e a Europa para a causa. A cartada falhou por falta de espaço para acomodar o Europeu e a Copa

América, mas sobretudo falhou porque a carne do lucro ficaria nas federações e as aparas nos clubes.

Foi para compensar este patronato que Infantino criou o Mundial de Clubes. Florentino Pérez justificav­a a gorada Superliga com o exemplo do ténis: Nadal e Djokovic jogaram entre si 59 vezes em 20 anos, enquanto Liverpool e Real Madrid jogaram 10 em igual período. É a tese do clímax permapelo

nente. Forjar mais Liverpool-Real Madrid aumentaria a rentabilid­ade a curto prazo, mas, sem jogos intermédio­s para repousar a emoção, tornar-se-iam encontros rotineiros. Era como decretar o Natal duas vezes ao ano para agradar à indústria de brinquedos.

É ames ma gente que não percebe que o Mundial não é um torneio mas um concílio, eéaes pera de quatro anos que torna o acontecime­nto especial, mesmo que passe de 36 a 42 selecções em 2026 (decidido na cimeira do Ruanda que reelegeu Infantino), talvez para aumentar as chances da China se qualificar, um mercado importante.

A FIFA está mais sôfrega desde que os sheiks entraram no negócio. Às estrelas em fim de ciclo somam-se jogadores novos – Koulibaly, Rúben Neves, Jota. Julgam que a liga saudita será uma série da Disney que toda a gente quer ver

brilho do cartaz. Mas os europeus e os sul-americanos estão-se nas tintas porque seguem ligas com raízes, mesmo sangradas dos melhores jogadores, e sobretudo seguem os clubes dos pais e dos avós.

São adeptos que invectivam o treinador que os troca por um prato dourado de lentilhas e enquanto renovam a devoção ao clube. Aconteceu no Botafogo, à hora em que o sheik comia o tubarão do Textor. Como censurar Luís Castro por trocar a chance histórica de ser campeão no Brasil pelo contrato duma vida? Ficando, arriscava-se a ser apanhado pelos favoritos na segunda volta e seria burro ou herói. Assim, jogou pelo seguro.

O sheiks julgam que a liga saudita será uma série da Disney que toda a gente quer ver pelo brilho do cartaz. Mas os europeus e sul-americanos estão-se nas tintas

 ?? ?? Luís Castro deixou o Botafogo na frente do Brasileirã­o e vai treinar o Al Nassr
Luís Castro deixou o Botafogo na frente do Brasileirã­o e vai treinar o Al Nassr
 ?? Folha Seca ??
Folha Seca

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal