O futebol decidiu por fim voltar a casa
1 Um momento de génio, outro anárquico e um erro que faz perder. A seleção inglesa tem sido isto através dos tempos. Uma personalidade instável que tanto entusiasma como deprime. Até que um dia o destino mude, o terceiro momento é substituído por um remate certo na hora certa (mesmo perto do fim) e o futebol queira voltar para casa. Devemos sempre voltar a um local tático que nos fez feliz. Southgate seguiu esse trilho e resgatou o primeiro sistema que o fez feliz desde 2018. Percebeu o que falhava nas más exibições, soube ler como mudar e nessa alteração inventou uma nova equipa (em personalidade e jogo).
2 Mais do que a questão dos três centrais, essa ideia de estrutura (e mapa de jogo em 3x4x2x1) permite o subir no terreno da dupla de médioscentro Rice-Mainoo e dessa forma toda o bloco inglês cresce metros em campo.
Um sistema que também permitiu, finalmente, ver Foden na direita a poder fazer os movimentos do City, puxando dentro para o remate em arco com o pé esquerdo. A bola ao poste aos 30 minutos teve o mais bonito “oooohh” sonoro do público deste Euro.
Foi como um prenúncio do que podia ser esta Inglaterra que, sem perder o espírito “old school”, tinha a matéria-prima dos bons jogadores nos melhores locais. Mesmo quando tira Kane e Foden para lançar Watkins e Palmer, há um sentimento de impulso certo. O remate de Watkins só poderia ter razão se concluído com a pontaria certa. O mérito duma equipa que devolveu a vontade de ver a seleção inglesa à medida que o Euro foi avançado.
3 A Holanda tem a aura do futebol revolucionário, mas este tempo é outro. A equipa parece adquirir diferentes identidades ao longo dos jogos. Posto assim, este confronto lendário olhando as exibições recentes de ambos era quase contra histórico. O primeiro sinal mostra essa dissonância, mas da melhor forma: Xavi Simons. Foge aos cânones do craque “laranja mecânica”, porque tem uma... mecânica criativa própria, que vem da inspiração do berço espanhol, e joga na terra de ninguém do segundo avançado como a mais perigosa irresponsabilidade (para o adversário, claro, que não sabe nunca o que ele será). Com a saída de Deepay e o montar do triângulo de três médios ao meio (decisiva a entrada de Veerman), a equipa bloqueou taticamente em 4x3x3 (no jogo interior) o tal novo sistema inglês, mas também bloqueou o seu jogo. Meter um ponta-de-lança forte e de referência tem o primeiro impacto de criar receio (fazer abrir os olhos) aos defesas (que a seguir devem-lhe franzir o sobrolho). Assim sucedeu quando a Holanda lançou o tanque n.º9 Weghorst no início da segunda parte. O jogo ofensivo tornouse, porém, mais previsível e os centrais ingleses acabaram por enjaular o n.º9 corpulento. A Inglaterra do velho futebol chega bem à final (contra a Espanha de encantar) com novo perfil.*