Como matar um Triceratops e sair impune
Steven Spielberg não sabe se há-de rir ou chorar por causa da confusão que a sua foto tirada com um dinossauro criou nas redes sociais. A legenda era: «Foto vergonhosa de um caçador desportivo a posar junto a Triceratops que acabou de chacinar. Por favor partilhem para que o mundo possa conhecer e envergonhar este homem desprezível», e era, obviamente uma piada. Se não perceberam, é porqe os estão extintos há milhões de anos. A não ser que achem que O é um reality-show. Nos últimos dois anos trabalhei num projecto que tinha como missão alertar para a problemática das plantas invasoras em Portugal. Vocês conhecem-nas bem: acácias, penachos, chorão-das-praias, mijonas, etc. O projecto era liderado por investigadoras de renome, para quem o rigor científico estava acima de tudo, mesmo que isso dificultasse o meu trabalho, que era tornar a mensagem acessível. Apesar de toda a informação científica, surgia gente a dizer que estávamos errados, que sempre tiveram essas espécies em volta e que nunca as viram ter um comportamento invasor. Não sei se esperam que as árvores comecem a abater aviões ou a aterrar em naves espaciais, mas claramente não percebiam a diferença entre um corpo de investigação científica acumulado ao longo dos anos, verificado e validado por outros cientistas, e opinião. Neste caso, a deles. A ciência não é ficção, apesar de a ficção abusar da ciência, como Spielberg frequentemente faz nos seus filmes. Na web, assuntos como a vacinação ou as alterações climáticas passaram a ser uma questão de convicção quase religiosa, nada científica, mesmo com toda a informação disponível online. Temos todo o conhecimento, mas a maioria das pessoas não o sabe questionar. Nem os jornalistas, que viram na que os gases intestinais podem curar o cancro e acharam a ideia tão gira que a publicaram tal e qual, quando o estudo a que se referem não tem nada que ver com isso. Vê-se logo que a história cheira mal, mas foi um sucesso. Da próxima vez que caçarem um dinossauro, lembrem-se: a ficção está a ganhar.