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O Homem Não Duplicado

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- São 2 euros, se faz favor. Olhei para a etiqueta: caderno A4 pautado, 70 cêntimos. Disse-lhe que devia haver um engano. - Ah, não é engano nenhum, é a taxa. Você sabe, a da cópia privada. Já não são só os dispositiv­os electrónic­os, são todos os suportes que permitam registar conteúdo. Digo que o caderno serve para anotar coisas minhas, tenho uma coluna mensal numa revista e é uma maneira de guardar ideias sem estar à frente do computador. Isso, listas de compras e rascunhos para o meu romance de ficção científica que nunca mais começo. Ela diz: - Mas nada me garante que não vá copiar o último do José Rodrigues dos Santos. E não gostaria de saber que a sua compra está a contribuir para um fundo destinado a artistas? JRS, o nosso maior ficcionist­a. Não quero contribuir para fundos, se quiser pago aos artistas directamen­te. Peço o livro de reclamaçõe­s e, para amenizar a coisa, pergunto se tenho de pagar taxa por estar a preencher em triplicado. O ar pensativo da criatura estraga-me o momento. Um homem de aspecto pouco original aproxima-se e apresenta-se como fiscal de cópias. - Qual é o problema? Explico-lhe a situação. Não se pode partir do princípio que somos todos ladrões, piratas. Falo-lhe de uma história que li sobre um grupo de pessoas que memorizou livros inteiros e se escondeu na floresta. Deveriam eles ser também taxados? Ou eu, por me recordar do livro e estar a reproduzi-lo? E se tatuar uma citação, passo a ser um suporte? Espero que o fiscal não repare na frase desenhada no meu antebraço. - Onde é que fica essa floresta? A pergunta deixa-me maldispost­o. O conhecimen­to ficou reduzido a um produto, a uma fonte de rendimento directo para o erário público, sem benefício real para criadores e consumidor­es. Grande parte da população, por ser acéfala, estaria isenta. Mesmo assim, tornou-se perigoso assobiar músicas na rua. - Estou a brincar, caro amigo - disse o fiscal - não podemos taxar tudo, há limites. Se estiver a incorrer numa infracção não podemos abrir-lhe a cabeça e apreender-lhe o cérebro, pois não? Não nos pertence. A empregada da caixa sorri, o fiscal pouco original espera que eu acabe a reclamação e já nem sei se o que escrevo é meu ou copiado de algum lado. Ele continua: - Agora, a sua pele...

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