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O que vem à rede

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A foto Napalm Girl é das imagens mais marcantes da minha memória visual e da história do jornalismo. Mas, como o Facebook não contempla História e Cultura nos seus Termos de Serviço, decidiu eliminar um post onde a foto fazia parte de uma lista das sete mais importante­s sobre cenários de guerra. A situação escalou de tal forma que a conta da primeira-ministra da Noruega acabou por ser suspensa quando ela decidiu defender o post e a fotografia. A direcção da rede social lá decidiu recuar, mas este caso levantou uma série de questões sobre os pudores e o poder editorial do Facebook. Porque, quando meio mundo usa o Facebook como fonte primária para informação, a forma como ela aparece ou - mais importante ainda - desaparece, é extremamen­te importante. As regras são claras: nada de nudez, manifestaç­ões de ódio, perfis falsos, tudo o que remova o brilho asséptico ao espaço partilhado por “amigos” que cada vez mais apenas ouvem o que lhes agrada. Juntem a isso um sistema de algoritmos que aumenta esse afunilamen­to e um sistema de denúncias por parte dos utilizador­es, e temos um tribunal moral sem precedente­s. E se acham que o problema é o factor humano, esqueçam: quando a equipa responsáve­l pela curadoria das tendências do Facebook foi despedida e o algoritmo assumiu o controlo, deu-se o caos, com notícias falsas a ganhar relevância e tracção na rede. O problema é a selecção da informação, um menu talhado por um chef com gostos muito próprios que parece não aprovar tragédias, nem o corpo feminino, nem centenas de anos de arte, mas que adora gatos. Eu adoro gatos, mas também gosto de poder escolher a minha informação, e de ter um apoio editorial por parte de profission­ais que recolhem e tratam as notícias mais relevante para a sociedade, para que estejamos bem consciente­s do mundo que nos rodeia. Se houvesse uma profissão assim… O azul do Facebook começa a fazer lembrar outro, de outra época, que também removia do olhar público os assuntos que estragavam o cenário idílico que, apesar de inexistent­e, era apregoado. O dia em que se puder apagar a História apenas para não afectar as sensibilid­ades é dia em que estaremos perdidos.

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