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DEFEITOS ESPECIAIS

O Ricardo Durand reflecte sobre a vida, a morte e o amor.

- RICARDO DURAND Editor

Ao longo dos meus 36 anos de vida já fui confrontad­o várias vezes com a morte de um ente querido próximo. A primeira foi logo aos dez anos, altura em que fui muito protegido. É uma daquelas situações em que começo a duvidar: será uma dor maior um pai sobreviver ao filho ou uma criança perder um pai tão nova? As seguintes foram em três anos consecutiv­os: 2006, 2007 e 2008, com a partida de todos os meus avós. É giro dizermos ‘partida’ como eufemismo de ‘morte’, até porque esta é uma das partidas que a vida, mais tarde ou mais cedo, nos prega. Foi aqui que comecei a entrar no circuito dos velórios e funerais de família - e, digo-vos uma coisa: a morte tem cheiro. É um aroma doce de flores, onde se sente uma paz indescrití­vel, onde se ouvem tosses, choramingo­s e outros lamentos. O “cheiro” é isto tudo junto. É possível o paralelism­o entre uma morte e não ser correspond­ido no amor? Ou perceber que alguém de quem já gostámos muito e que também gostou de nós, já partiu para outra? Não, claro. A segunda situação é muito pior e é fácil explicar: quando alguém morre, é impossível ter essa pessoa de volta. Não temos de pensar o que está a fazer naquele momento, com quem está, se se está a divertir, se regressa aos lugares onde já fomos os dois felizes, não temos de ouvir falar dela por outra pessoas, não corremos o risco de encontrar uma fotografia actual que não vamos gostar de ver. Mas, quando uma pessoa deixa de gostar de nós e nós continuamo­s a amar essa pessoa, ou a pensar que ainda temos uma hipótese, tudo isto acontece. É como se vivêssemos num estado de reanimação eterna, como se a qualquer momento essa pessoa pudesse voltar. E, porque, na realidade, pode. Ressuscita­r um amor é complicado, mas não é impossível. Viver nessa realidade todos os dias é torturante; viver numa realidade em que a outra pessoa já não existe fisicament­e, não. É uma ferida que se cura com o tempo. Saber que já não somos correspond­idos é ter uma ferida aberta que só se cura com um choque que termine com esta ilusão. Enquanto isso, estamos ligados às máquinas e a nossa vida não avança. Perder um amor, é pior que uma morte.

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