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«QUALQUER PESSOA COM UM TELEMÓVEL CONSEGUE CRIAR MODELOS 3D»

Nasceu na Argentina, mas há cerca de quinze anos que o Porto é a sua base. Ali está a Didimo, empresa que criou e cujo projecto foi premiado no ano passado na competição internacio­nal Women Startup Challenge VR and AI. A sua especialid­ade são os avatares

- Verónica Orvalho

COMO TUDO COMEÇOU?

Trabalho a nível das expressões faciais há mais de quinze anos, na área da computação gráfica. Tive vários projectos na área da Saúde, um dos quais ligado ao autismo. Nesse projecto criámos uma tecnologia que permitia desenhar expressões faciais em personagen­s 3D para ajudar as crianças a comunicar melhor com as pessoas. Numa das sessões que fizemos, o pai de uma das crianças pediu-nos para levar a aplicação com ele. Passou-se em 2010 e foi como um momento revelador. Ao questioná-lo por que a queria, respondeu-me que queria usar personagen­s 3D para comunicar com o filho. Pensei: «Se isso funciona num caso tão concreto como o de um grupo de pessoas com tanta dificuldad­e em comunicar, poderemos, então, expandi-lo e adaptá-lo a qualquer comunicaçã­o digital». Foi assim que começámos.

VOLTANDO MAIS ATRÁS NO TEMPO, COMO SURGIU O INTERESSE DE COMEÇAR A TRABALHAR NESTA ÁREA?

Na Argentina, comecei a trabalhar na IBM aos dezoito anos e estudava Engenharia à noite. Ao terminar o curso já tinha cinco anos de experiênci­a laboral. Quando vim para a Europa, quis mudar da área das redes para o entretenim­ento. Fiz um mestrado e doutoramen­to em videojogos. Estive cerca de um ano e meio a falar com empresas de entretenim­ento para perceber quais eram as suas maiores dificuldad­es e a tentar encontrar soluções. Entre todos os temas surgiu este: ‘Como criar de forma mais rápida personagen­s 3D com uma qualidade ultra-realista?’. É um trabalho que ainda hoje demora muitas semanas, ou mesmo meses, a fazer. São precisas pessoas com muita experiênci­a a nível de Engenharia e de Arte, com recurso a software e hardware muito caros. Assim, o que estive a fazer foi automatiza­r todo o processo de criação de modelos 3D, e fazendo-o de forma a deixar a definição da parte estética nas mãos dos artistas. Até hoje, isso era apenas acessível para empresas grandes, artistas e engenheiro­s. Agora, qualquer pessoa com um telemóvel consegue criar modelos 3D.

PARA QUE SERVEM ESTES MODELOS?

Com a automatiza­ção, abrimos uma nova dimensão naquilo que se pode fazer com eles. O grande objectivo é permitir que as pessoas criem a sua representa­ção no mundo virtual, num meio digital. Pode aplicar-se, por exemplo, na área da saúde, onde há pessoas que não conseguem falar ou mexer-se. Neste caso, é possível pôr a nossa cara e uma voz no mundo digital. Para as comunicaçõ­es virtuais, uma pessoa pode finalmente existir. Num cenário completame­nte diferente, como a moda, torna possível fazermos uma réplica de nós próprios para fazermos compras online. Ao poder experiment­ar roupa, a satisfação é maior e, em consequênc­ia, reduz a devolução das compras, o que implica um custo muito elevado às empresas. Os modelos 3D podem também ser usados em reuniões virtuais, comunicaçã­o, etc. O foco está na ‘mix reality’, no retalho e na área mobile.

AS REUNIÕES VIRTUAIS, POR EXEMPLO, PODEM SER FEITAS COM VÍDEOS. QUAL É A VANTAGEM DO MODELO 3D?

Uma coisa é fazer uma videoconfe­rência e a outra é conseguirm­os aplicar o modelo 3D a uma sala virtual onde temos acesso ao PowerPoint, documentos Excel e a um whiteboard para escrever, tudo como se estivéssem­os mesmo numa sala de reuniões. Para áreas como as Finanças, ou mesmo uma sala de aulas virtual, por exemplo, não se pode pôr personagen­s tipo cartoon, têm de ser mesmo personagen­s mais fotorreali­stas.

COMO FOI PASSAR DA INVESTIGAÇ­ÃO PARA A CRIAÇÃO DE UMA STARTUP?

Estava na universida­de a investigar e houve um investidor que, através do Governo de Portugal, propôs que eu criasse uma empresa. Assim, o início foi mais fácil. Foi simplesmen­te dizer que sim, não sem antes testar para ver se realmente havia um modelo de negócio viável. Entretanto, fui convidada para integrar a acelerador­a Techstars, em Londres, e foi aí que vimos que realmente havia potencial.

NO ANO PASSADO VENCEU O WOMEN STARTUP CHALLENGE. COMO TEM SIDO DESDE ENTÃO?

Foi um impulso enorme. Foram centenas de candidatas e empresas de peso, como a Google, envolvidas. Tudo isso deu uma grande visibilida­de ao projecto e, ainda mais importante, uma credibilid­ade muito forte, validando o nosso trabalho e levando a que outras empresas também acreditass­em em nós e trabalhass­em connosco.

HÁ MUITO MENOS MULHERES QUE HOMENS À FRENTE DE STARTUPS, NOMADAMENT­E DAS TECNOLÓGIC­AS. O QUE É PRECISO PARA MUDAR ESTE CENÁRIO?

Penso que é por todas as circunstân­cias: o tempo é limitado, especialme­nte quando se tem uma família. É preciso um esforço enorme para conseguir avançar e os investidor­es sabem disso. É necessário mudar o paradigma no sentido de ajudar as mulheres que queiram ser empreended­oras, motivando-as. É possível. É uma questão de reorganiza­r a logística. Acho que é por aí.

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