DEFEITOS ESPECIAIS
O Ricardo Durand fala do erro que foi a suspensão da vacina da AstraZeneca.
Imaginemos: depois de cinquenta acidentes mortais nas estradas, o Governo decidia suspender todas as deslocações por automóvel em lazer; ou proibia tomar banhos de mar porque dez pessoas tinham morrido afogadas. E se a Samsung fosse impedida de vender smartphones porque meia dúzia de Galaxy tinham explodido? Mais fácil é outro exercício: suspender a venda de tabaco, porque todos os anos há milhares de pessoas que morrem com doenças pulmonares ou cancros. Estes cenários são ridículos (ou, para muita gente, até não), porque levam as coisas ao extremo; mas foi o que se passou quando muitos países decidiram suspender a administração da vacina da AstraZeneca, depois de ter havido algumas mortes por embolia.
Mas, enquanto noutros casos se consegue perceber que as mortes estão directamente dependentes das causas, como nos acidentes de viação ou nos cancros pulmonares, neste momento não há qualquer evidência de que essas pessoas tenham morrido devido à vacina. É preciso lembrar que a tecnologia médica é das mais desenvolvidas do mundo - não há nada que não seja criado com rigor máximo, desenvolvimento sustentado em práticas bioquímicas avançadas ou testes rigorosos - aliás, nem as autorizações das agências mundiais podiam ser dadas de outra forma. Como em qualquer medicação, há sempre riscos - até um comprimido para uma dor de cabeça por desencadear uma reacção adversa, mas não é por isso que deixamos de ter em casa um Ben-u-ron para tomar quando o vizinho de cima decide transformar a casa numa discoteca clandestina. Suspender uma vacina (ainda que por poucos dias) por terem sido identificados três dezenas de mortes suspeitas em dezassete milhões de “picas” é o reflexo da actualidade esquizofrénica em que vivemos. A ciência não pode servir para comprovar resultados de confinamentos sanitários às Segundas fazer a caça às bruxas das agulhas às Quartas.