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A FELICIDADE DAS PESSOAS COM PÉSSIMA MEMÓRIA

- Alex Gamela @alexgamela

Uma das minhas rotinas diárias tem sido apagar mementos e momentos da minha vida digital em todas as plataforma­s que fazem questão de trazer esses destroços do passado à superfície do quotidiano. A memória costumava ser um mecanismo falível mas, na esfera digital, é difícil esquecer e ser esquecido.

Em 2015, o Facebook criou a função ‘Neste dia’ porque percebeu que nós, humanos, gostamos muito de revisitar o passado e de o partilhar. Faz parte da nossa identidade. Assim, decidiu servir as nossas memórias todos os dias, bem frias pela manhã, sendo seguido por outros serviços, como o Google Photos. Mas nem todas são boas ou dignas de registo. Inadvertid­amente, o casual torna-se histórico, o efémero algo de permanente.

«Eu sei quem é aquela pessoa», disse-me uma amiga, «mas não é quem sou agora». Alguém recuperou um post antigo pouco favorável onde estava tagada porque, para eles, foi um momento memorável. Para ela, foi um dia/mês/ano para esquecer e a amizade com essas pessoas acabou há muito. Sem razão, tudo voltou porque há um mecanismo automático de invocar o passado. Como se não bastassem as recordaçõe­s constrange­doras que nos tiram o sono às duas da manhã e das quais mais ninguém se lembra.

Não é só a auto-memória das redes sociais. As migalhas digitais do nosso percurso que alimentam as gordas companhias, que as apanham atrás de nós de cada vez que nos ligamos a um dispositiv­o, criam um perfil parcial de quem somos. É por isso que nos enchem a barriga dos browsers com cookies. Os anúncios que nos aparecem, as sugestões de amigos ou conteúdos são todos resultado da nossa actividade, que fica guardada sabe-se lá durante quanto tempo. O resultado é uma espécie de biografia em dados que não retratam quem somos, mas o que nos falta - e há sempre um anúncio perfeito para nós.

No dia em que estava a escrever isto, apareceu-me um post de há seis anos: «Uma das chaves para a felicidade é uma péssima memória». Confesso que não me lembrava de o ter publicado. Obviamente, apaguei-o.

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