O vício da corrida
Será que uma atividade, aparentemente benéfica para o nosso bem-estar físico e psicológico, pode tornar-se em algo capaz de nos viciar ao ponto de questionarmos se é saudável ou não? Neste artigo vou tentar dar-vos a resposta a essa pergunta.
Oexercício físico traz recompensas, pois fomos feitos para nos movermos. A evidência científica tem demonstrado que não é apenas uma perceção, que de facto existe uma forte ligação entre a realização de exercício físico e evolução humana, tanto que a inatividade conduz-nos, na maior parte das vezes, à doença física e mental. O movimento é de tal modo essencial para o cérebro, que a atividade física regular é imprescindível para que funcione de modo adequado, sobretudo em termos da cognição.
Porque é que nos sentimos felizes quando corremos? A neurociência explica: quando corremos, libertamos importantes substâncias químicas, que vão impactar diretamente o nosso sentimento de bem-estar e de felicidade. Assim, o nosso cérebro reconhece e agradece a produção destas substâncias. Nomeadamente, a serotonina que combate o sentimento de solidão e de depressão; a dopamina que é uma mediadora do prazer, que funciona com base no propósito e advém do alcance das metas a que nos propomos (daí o seu poder gratificante e aditivo); a endorfina, uma espécie de analgésico corporal, também considerada a morfina do corpo, é importante na resposta à dor e ao stress; e, por último, mas talvez a mais importante, a oxitocina que funciona como um composto essencial na construção de relacionamentos emocionais e na construção da confiança.
Este quarteto da felicidade – serotonina, dopamina, oxitocina e endorfina – é amplamente conhecido e procurado por quem o experimenta numa base diária através do exercício físico, bem como outras atividades que promovem a sua libertação. Regressando à corrida, e ainda nesta linha de pensamento, verificamos que o outdoor, a exposição ao sol e a outros elementos da natureza acrescentam benefícios, a par com os grupos de treino e as próprias competições que trazem objetivos e realização pessoal. Mas como evitar desequilíbrios? Perceber até que ponto
aplicamos o princípio do quanto baste e procurar o equilíbrio entre as diferentes dimensões do sujeito deverá estar na ordem do dia. Para isso há que analisar de que forma a corrida poderá, ou não, estar a surgir como “corredor de fuga” face a alguma realidade pessoal que o sujeito não quer ver vivida naquele momento. Este é um indicador importante de desajuste, que quando não atendido pode ter repercussões no processo mais adiante. Independentemente de ser um atleta amador, diria também que ter como ponto de partida uma avaliação médico-desportiva é fundamental e protetora da própria saúde do indivíduo, de forma a garantir que não existem contraindicações clínicas para a prática da modalidade.
Do mesmo modo, o calendário desportivo deve ser planeado e adequado ao nível físico individual de cada um, pelo que o acompanhamento ou prescrição de treino realizada por um técnico especializado/treinador, traz inúmeras vantagens quer ao nível da progressão da performance, quer ao nível da prevenção de lesões, aspeto basilar muitas vezes negligenciado pela maior parte dos praticantes desta modalidade. Efetivamente a corrida é muito apelativa pela “facilidade” com que iniciamos a sua prática e a integramos na nossa vida. Correr quando e onde quisermos, faz um "perfect fit" nos dias preenchidos que a maioria das pessoas tem atualmente, e pode ser um slot de autocuidado com enorme potencial de se prolongar como uma atividade “crónica” de fonte de bem-estar.
Mas para durar é importante fazê-lo bem. Vale a pena pensar nisso!